Ao
deixar seu emprego em período integral pouco antes de completar 60 anos de
idade, Christine Leaves optou por gastar grande parte de sua pequena poupança
previdenciária na compra de um carro novo. Agora, aos 67 anos e dependente da
pensão estatal, ela voltou ao mercado de trabalho como publicitária em meio
período a fim de poder arcar com seus gastos mensais.
Leaves,
que diz ter sido obrigada a abrir mão de todos os investimentos para mudar para
um condomínio de aposentados nas proximidades de Sidney, é uma das centenas de
milhares de aposentados australianos que viram seus recursos de aposentadoria
se exaurir ainda em vida, deixando evidentes as falhas do quarto maior sistema previdenciário
do mundo.
A
indústria de ‘super fundos’ australiana (AU$ 1,7 trilhões sob gestão) gerencia
cerca de AU$ 72 bilhões em fundos de aposentadoria anualmente, valor duas vezes
maior que as pensões pagas pelo Estado. O sistema é considerado um modelo para
outros países desenvolvidos.
No
entanto, a indústria australiana é afligida por taxas de administração elevadas
e um leque limitado de produtos de investimento. Tais fatores - associados a
decisões de baixa qualidade por parte dos aposentados, que frequentemente
utilizam os saldos de conta para fazer viagens e comprar carros - tem feito com
que um número cada vez maior de australianos esgote sua poupança de
aposentadoria ainda em vida.
Diante
do envelhecimento da população e da aposentadoria da geração de baby boomers, o governo reconhece que o
sistema é inadequado, com as pensões federais absorvendo uma parcela cada vez
maior da receita estatal. As autoridades planejam elevar a idade de
aposentadoria para 70 anos até 2035.
O
sistema de superannuation, que
cresceu consideravelmente desde que foi inaugurado, em 1992, será alvo de
investigação por parte de um comitê formado pelo governo, cujo objetivo é fazer
recomendações para reformar a indústria de serviços financeiros ao longo da
próxima década. Os primeiros resultados da investigação são esperados até a
metade deste ano.
O fato
de não terem recursos suficientes acumulados nos super fundos fará com que
muitos aposentados tornem-se ainda mais dependentes das pensões públicas,
impondo riscos fiscais à medida que grande parte dos recursos dos fundos de superannuation são canalizados para o
mercado imobiliário, informa o Centre of
Excellence in Population Ageing Research (CEPAR).
Christine
Leaves afirma que seu super fundo não a ajudou efetivamente a planejar a
aposentadoria. “Os valores acumulados foram insignificantes”, desabafa a
aposentada, acrescentando que nunca terá condições de parar de trabalhar. “Nós
nunca tivemos qualquer tipo de educação previdenciária. Os empregadores não fizeram
nenhum esforço no sentido de nos encorajar a poupar.”
‘Super
picada’
O
fundeamento de benefícios é tarefa cada vez mais árdua. Estima-se que até 2030
apenas três australianos em idade ativa pagarão impostos para cada aposentado
com direito a receber a pensão pública por idade - que vale aproximadamente AU$
33 mil anuais por casal. Há 20 anos, essa proporção era de seis para um. De
acordo com estatísticas oficiais, cerca de 80% dos aposentados dependem do
beneficio estatal.
O
sistema de superannuation está entre
os mais caros do mundo segundo artigo publicado em abril pelo Grattan Institute, com os australianos
pagando AU$ 20 bilhões em taxas sobre seus balanços financeiros, mais de três
vezes a média observada em outros países. De acordo com o relatório, as altas
taxas não seriam uma preocupação caso os australianos estivessem obtendo bons
retornos nos investimentos, o que não tem acontecido.
Os retornos
têm sido desanimadores. Em 2012, por exemplo, a Austrália foi um dos únicos
dois países a apresentar taxas de retorno negativas segundo a OCDE. Nos cinco
anos anteriores a 2012, os fundos de pensão do país perderam 2,6%. Em
contrapartida, na Dinamarca e na Holanda, os retornos foram de 6,1% e 3,5%,
respectivamente.
As
baixas taxas de retornos e a crise financeira mundial fizeram com que muitos
australianos criassem aversão aos riscos.
John e Beverly
Marsden, que são amigos de Leaves, dizem que estão constantemente preocupados
com a exaustão da poupança previdenciária. Ao invés de confiar em consultores
financeiros ‘que cobram altas taxas e se recusam a dizer qual será o retorno
dos investimentos’, eles preferem gerenciar sozinhos os recursos dos fundos de superannuation.
“As
pessoas estão sozinhas e vendo-se obrigadas a tomar decisões complexas que
terão consequências em longuíssimo prazo. Por isso, não surpreende o fato de
muitas acabarem tomando a decisão menos aterrorizante que é o saque total dos
recursos”, explica Sacha Vidler, economista chefe do fundo Industry Super Australia.
O
problema tende a ficar ainda mais complexo tendo em vista o que os aposentados
decidem fazer com os recursos sacados das contas individuais. Pelo menos metade
deles opta por pagar dívidas, quitar as prestações da casa própria ou reformar
o lugar onde moram. No entanto, mais de um quinto acaba ‘torrando’ os recursos
em férias e carros, revela pesquisa realizada pelo Australian Bureau of Statistics referente aos doze meses anteriores
a junho de 2013.
Imaturidade
O
sistema de super fundos ainda não atingiu a maturidade. Apenas metade da atual
força de trabalho australiana recebeu benefícios até agora.
Inicialmente,
os empregadores contribuíam com 3% do salário em nome dos empregados. Como
resultado, os saldos em conta mostram-se insuficientes para garantir uma
aposentadoria confortável, alegam especialistas. Mais recentemente, as
contribuições patronais aumentaram para 9,25%, devendo chegar a 12% (aumento de
50 pontos base anuais a partir de 2018).
Ainda
assim, os aposentados, que podem ter acesso a sua conta, livre de taxas, entre
as idades de 55 e 65 anos, estão encurralados sem ter onde investir. A
ferramenta de investimento mais popular - a chamada pensão baseada no saldo de
conta - prevê saques periódicos, embora exponha os investidores à volatilidade
do mercado e ao risco de longevidade.
As
anuidades diferidas, que começam a pagar benefícios a partir de uma idade mais
avançada, bem como outros produtos de longo prazo amplamente disponíveis em
países como EUA, Inglaterra e Canadá, ou não existem ou operam sob restrições
severas na Austrália.
“A
pensão por idade paga pelo Estado é, sob muitos aspectos, o produto de
aposentadoria ideal, apesar de não ser suficiente”, observa Richard Howes, CEO do
Challenger Life, o maior
provedor de anuidades do país. “Um dos motivos pelo qual as pessoas estão
exaurindo seus recursos ainda em vida é o desenho falho das pensões baseadas no
saldo de conta. Por isso faz todo o sentido termos planos privados para
preencher essa lacuna.”
A
Associação de Fundos de Superannuation
da Austrália (ASFA) reconhece que um casal precisaria de AU$57.817 ao ano
a fim de ter uma aposentadoria financeiramente confortável.
Novas
ofertas?
A
indústria lentamente se dá conta da necessidade de oferecer novos produtos de
aposentadoria. Richard Howes espera que o aumento da demanda ajude a fomentar o
mercado de anuidades.
A Challenger Life vendeu AU$270 milhões em
anuidades vitalícias nos seis meses anteriores a dezembro de 2013, mais do que
comercializou durante os doze meses que antecederam o mês de junho de 2013, o
que demonstra um pequeno crescimento desse mercado.
Mas, de
maneira geral, as anuidades ainda possuem um market share bastante modesto. Apenas AU$2,2 bilhões foram vendidos
no ano passado, embora os especialistas acreditem que em 2014 esse total possa chegar
a AU$ 3 bilhões.
“Percebemos
que os consultores financeiros estão bem mais interessados nas anuidades”,
afirma Nicolette Rubinsztein, gerente geral das áreas jurídica e de
aposentadoria da gestora de fundos Colonial
First State. “Trata-se de um segmento que deve crescer em termos de
desenvolvimento de produtos. As anuidades oferecem uma boa relação custo
benefício.”
Representantes
da indústria recomendaram uma série de medidas a serem estudadas pelo comitê
formado pelo governo para discutir possíveis reformas para o sistema, que vão
desde maior transparência e menores taxas administrativas ao aumento da
integridade e da qualidade do assessoramento financeiro.
Contudo,
até que as melhorias sejam implementadas, os aposentados australianos terão que
economizar cada centavo. “Eu me preocupo o tempo todo com o fim da minha renda
de aposentadoria”, revela John Marsden, de 73 anos. “É preciso ter cautela e
viver sempre dentro do orçamento.”
WA Today