A velhice parece não ser
motivo de preocupação para os cientistas europeus enquanto eles viajam pelo continente
em busca de bons programas de doutorado ou cargos docentes em universidades
renomadas. Mas à medida que vão envelhecendo, muitos percebem que trabalhar em
países tão diversos quanto Estônia, Espanha ou Alemanha pode ser prejudicial
para a poupança de aposentadoria.
Há, agora, uma
solução em potencial para o problema: um fundo de pensão pan-europeu para pesquisadores,
chamado RESAVER, criado por um grupo de empregadores para estimular a
mobilidade desses profissionais. O fundo foi criado oficialmente em 14 de julho,
sob a legislação belga, com sede em Bruxelas.
Três membros-fundadores - a Central European University de
Budapeste; a Elettra Sincrotrone Trieste
de Basovizza, Itália; e o Central
European Research Infrastructure Consortium, com sede em Trieste, também na
Itália - já começaram a fazer as primeiras contribuições. Os pesquisadores, por
sua vez, poderão contribuir com parte dos salários para o fundo.
“Nós temos uma solução” para
preservar os benefícios previdenciários de pesquisadores que mudam
constantemente, afirmou Paul Jankowitsch, ex-presidente do consórcio RESAVER e atual
supervisor de Adesão e Promoção do fundo, durante o EuroScience Open Forum (ESOF) realizado na semana passada. “A
desculpa para que as instituições não façam nada já não existe mais.”
A Comissão Europeia contribuiu com €4
milhões para cobrir os custos de implantação do RESAVER. Os recursos são
provenientes do programa de financiamento Horizon
2020. Pelo menos em princípio, o fundo ficará disponível aos interessados do
Espaço Econômico Europeu, que inclui todos os 28 países membros com exceção da
Croácia, além de Noruega, Liechtenstein e Islândia.
A maioria dos países europeus possui
sistemas de previdência social, e normalmente é possível ter acesso aos
benefícios ainda que eles tenham sido acumulados em outro país. Contudo, muitas
universidades e instituições oferecem planos de Previdência Complementar que nem
sempre podem ser facilmente transferidos. Os pesquisadores que passam parte da
sua carreira no exterior, mesmo que a apenas algumas centenas de quilômetros de
casa, podem acabar contribuindo para diferentes planos de pensão, obtendo, em
contrapartida, benefícios mais baixos se comparados aos que teriam direito caso
tivessem permanecido no mesmo lugar. Isso tudo tem dificultado a mobilidade dos
cientistas.
A ideia por trás do RESAVER é criar
um fundo de pensão comum de forma que os benefícios suplementares simplesmente “sigam”
os pesquisadores quando eles mudarem de emprego ou país. Os cientistas só
poderão aderir ao fundo por meio de seus empregadores, por isso é essencial
para o sucesso da iniciativa que o maior número possível de instituições participe
do plano.
A grande questão é se isso vai
acontecer. Além das três instituições que o criaram, o consórcio RESAVER, estabelecido
em 2014, possui cerca de 20 membros até agora, que juntos representam mais de
200 instituições em toda a Europa. Mas essa é apenas uma pequena fração do
universo de pesquisa europeu. Além disso, a maioria dos integrantes do consórcio
ainda não se comprometeu a aderir ao fundo.
A adesão tem sido lenta por várias
razões. De acordo com Jankowitsch, o fundo representa um risco financeiro de
longo prazo ao qual muitas universidades e instituições de pesquisa não estão
acostumadas. Questões locais complicam ainda mais a situação. Na França, por
exemplo, muitos pesquisadores têm a sua pensão totalmente coberta pelo Estado na
condição de funcionários públicos. Embora muitas instituições da Espanha façam
parte do consórcio, a legislação espanhola impõe obstáculos à adesão a fundos
de pensão estrangeiros. Na Alemanha, os pesquisadores do Instituto Max Planck também
têm pouco incentivo para se filiar, pois já dispõem de um pacote de benefícios
previdenciários bastante atrativo.
O risco também foi uma preocupação expressada
pelos pesquisadores no fórum ESOF. O plano de pensão RESAVER será baseado em
contribuições ao invés de benefícios, o que significa que os participantes saberão
o quanto vão aportar ao arranjo, mas não o quanto irão receber, ao contrário do
que aconteceria em muitos outros planos de pensão da Europa. Embora o fundo
tenha sido concebido como um investimento de compartilhamento de risco pan-europeu,
Jankowitsch reconhece que sempre haverá riscos nos mercados de capitais.
Alguns dos presentes no encontro
ESOF também questionaram se, com tão poucas instituições participantes, o
RESAVER não poderia acabar revelando-se um entrave à mobilidade, ao menos no
curto prazo, ao limitar a adesão aos pesquisadores dessas instituições. Já os cientistas
mais jovens mostraram-se preocupados com algumas condições de desigualdade, uma
vez que os doutorandos são considerados empregados em alguns lugares e alunos
em outros, o que impediria a sua participação. Vale ressaltar que o consórcio atualmente
negocia um plano de previdência privada para os pesquisadores que não possuem
um contrato de trabalho.
Em comunicado encaminhado ao portal ScienceInsider, o International Consortium of Research Staff Associations (ICoRSA) afirmou
que gostaria que os investimentos do plano gozassem de maior transparência, e
que houvesse mais flexibilidade e garantias para os pesquisadores. “Mas, de
maneira geral, o ICoRSA saúda a iniciativa”, declarou o consórcio.
Jankowitsch está otimista: “Nós temos
visto mais perguntas do que obstáculos”, afirmou no fórum ESOF. A oferta do
plano RESAVER pode trazer vantagens para as instituições de ensino, já que lhes
garante vantagens competitivas na contratação de talentos, pondera Jankowitsch.
Ele recomendou aos pesquisadores que peçam aos empregadores para dar suporte à
iniciativa. “Se as organizações não aderirem, o plano simplesmente não irá decolar.”
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