Mudanças drásticas no mercado de trabalho brasileiro vão exigir
uma reformulação nos sistemas de previdência privada, defende o economista José
Roberto Afonso.
Tais planos vão entrar na berlinda com o aperto nas regras da
Previdência Social, mas estão despreparados para servir como uma das principais
fontes de recurso para a velhice dos brasileiros, segundo o pesquisador do
Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia), especialista em finanças públicas
e economia social e do trabalho.
Se nada for feito, os recursos dos planos fechados de previdência
(como fundos de pensão, em que só entram os funcionários de determinada
empresa) se esgotarão em 2034, apontou Afonso nesta quinta (11), no congresso
da Andima (associação e entidades dos mercados financeiros e de capital).
O problema é a maturidade: o número de aposentados cresce sem
parar e o de contribuintes cai, mostra estudo do economista para a Abrapp
(Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência). "Isso
considerando um cenário positivo, em que cada trabalhador que se aposenta é
reposto, e a taxa de juros real é de 5%."
Afonso aponta que os fundos fechados surgiram sobre bases que não
existem mais: empresas gigantes com milhares de empregados registrados. "O
Brasil praticamente destruiu os empregos de altos salários e carteira
assinada", no que ele chama de "transfiguração crescente de trabalho
em capital".
Dados de 2014 mostram que o fenômeno começou antes mesmo da crise.
Dos 27 milhões de brasileiros que entregaram declaração de IR, 28,6% eram
empregados no setor privado, contra 28,7% de não empregados (17,4%
proprietários e 11,3% trabalhadores por conta própria).
A recessão deve ter agravado o quadro, diz Afonso, porque o custo
tributário para o empregador no Brasil supera 70% do salário bruto. É a taxa
mais alta do mundo, segundo a associação britânica UHY. Na França, o segundo
colocado, o custo é 41%, e nos EUA, 4,5% (os dados consideram salário bruto
anual de US$ 300 mil). "Grande parte desses trabalhadores virou
empresa." A consequência, argumenta o economista, é que a previdência
privada não é mais "complementar": "Esse tipo de investimento
passa a ser a única previdência que boa parte dos brasileiros vai ter no
futuro".
Para ele, o novo cenário exige autorregulação e a possibilidade de
que os empregadores terceirizem os riscos, contratando, por exemplo seguros
para o risco da longevidade ou para desemprego.
Afonso defende também incetivos para que empresas menores ofereçam
planos de previdência fechados. "Na situação atual há
desincentivo."No caso dos fundos abertos de previdência privada -de
contratação individual, como PGBL e VGBL-, a regulamentação precisa permitir
investimentos de mais longo prazo, hoje desestimulados pela exigência de
liquidez diária e portabilidade, diz o economista.
Relatório da Susep (Superintendência de Seguros Privados) mostra
que desde 2012 os resgates de recursos têm acelerado, enquanto os depósitos têm
perdido velocidade.
O alongamento dos prazos é importante também do ponto de vista
macroeconômico, pois propicia investimentos. O Brasil tem hoje uma das menores
taxas de poupança do mundo (14,4%) e a porcentagem vem caindo desde 2013,
quando já era considerada baixa (18,3%).
A taxa de poupança das famílias é ainda mais baixa: 6,82%, segundo
dados de 2014 do IBGE, e mais da metade desses recursos vai para a compra ou
reforma de um imóvel. Estudo do Banco Mundial mostrou que menos de 4% dos
brasileiros guardam recursos para a velhice.
Pelos dados do IBGE de 2014, só 20% da população com renda entre 7
e 10 salários mínimos (de R$ 6.600 a R$ 9.400) tem plano de previdência
privada. Na faixa entre 3 e 7 salários (de R$ 2.800 a R$ 6.600) a porcentagem
cai para 7%.
Afonso calcula que há ao menos 4 milhões de brasileiros com renda
suficiente para investir em previdência privada e fora do sistema. O economista
aponta como público potencial os maiores de 20 anos com renda acima do teto do
INSS (hoje de R$ 5.531,31), principalmente os com 15 anos ou mais de estudo,
casados e com filhos. Em um cenário de contribuição com 4% da renda, a entrada
desse público potencial levaria o mercado de previdência complementar a R$
237,10 bilhões em 2026.
O economista fez também um alerta aos executivos do mercado
financeiro que estavam na plateia: tanto os planos de previdência fechados
quanto os abertos concentraram excessivamente seus recursos em títulos da
dívida pública.
"É preciso sair dos produtos velhos e criar produtos novos. O
mercado secundário de títulos de dívida privada é fundamental para garantir de
fato um alongamento dos investimentos."
UOL