Está em curso um
verdadeiro milagre no Brasil: a multiplicação das identidades digitais. Tudo
indica que vamos repetir no universo digital os mesmos erros históricos que
cometemos com relação a identidades físicas no país.
Nesse quesito,
somos líderes globais em confusão. Temos a carteira de identidade, que é
emitida pelos Estados. O CPF, emitido pela Receita Federal. O título de
eleitor, a carteira de motorista, o certificado de reservista, a carteira de
trabalho, as carteiras de entidades profissionais, e assim por diante.
Essa bagunça leva
a situações insólitas. Há pouco tempo foi identificado um indivíduo com 47
títulos eleitorais, 43 carteiras de identidade, sendo 23 emitidas na Bahia, 12
em Minas Gerais e 8 em Goiás, 2 carteiras de trabalho e 2 certificados de
reservista. Além disso, no início de 2016, a CGU descobriu que 47,6 mil CPFs
estavam sendo utilizados por mais de uma pessoa.
É nesse contexto
que o país resolveu avançar na "digitalização" desses documentos. O
TSE anunciou a criação do e-Título, aplicativo que permite acessar uma via
digital do documento pelo celular. A carteira de motorista digital, que é hoje oferecida
por alguns Estados, está sendo prometida para todo país em fevereiro de 2018.
Já a Receita
Federal aceita há algum tempo o vergonhoso e-CPF, explorado por um punhado de
agentes privados que cobram cerca de R$ 180 ao ano para criar uma versão
digital do CPF do contribuinte. Esse preço resulta, na prática, na exclusão de
95% da população do país da possibilidade de ter um "e-CPF".
Essa multiplicação
das identidades digitais, em vez de ser uma boa notícia, só vai adiar o
problema. O caminho que deveria estar sendo seguido é a criação de uma única
identidade nacional digital certificada, controlada pelo cidadão. A informação
se a pessoa está habilitada a dirigir, a votar, ou a pagar seus impostos
ficaria atrelada a essa única identidade, que poderia ser carregada no celular.
Esse documento digital controlaria de forma segura e privada todos os dados da
relação entre o cidadão e o poder público: prontuário de saúde eletrônico,
histórico escolar, dados de Previdência, benefícios sociais, bilhetes de
transporte público e assim por diante.
O que estamos
fazendo é criar uma miríade de semi-identidades digitais, capazes de realizar
uma única função. Cada uma gerenciada por um órgão distinto.
Para completar,
neste ano foi aprovada a lei que criou o DNI (Documento Nacional de
Identidade). Na prática, o DNI virou só mais um documento. Que poderia
inclusive figurar em uma música do Zeca Pagodinho, porque ninguém nunca viu,
nem tirou e nem ouviu falar.
Estudo recente do
Banco Mundial mostra que 1,1 bilhão de pessoas no planeta não possuem
identidade. Já o Brasil é um país tão desigual que, para algumas pessoas, está
sobrando identidades. Para quem mais precisa de uma, está faltando. A
identidade digital é o novo "santo graal" da administração pública.
Já perdemos tempo demais trafegando na estrada errada sobre esse tema