Empresa do Vale do Silício tenta recriar em dias o
envelhecimento em anos do uísque.
Organização
tenta impedir que regras de produção sejam contornadas.
Quando uma garrafa de uísque Yamazaki de 55 anos
foi vendida pelo preço recorde de US$ 795 mil (R$ 4,4 milhões) em um leilão em
Hong Kong, em agosto, isso serviu como prova de duas coisas.
O uísque, amadurecido em barris de carvalho japoneses capazes de adicionar notas
de baunilha, mel e florais e um traço de incenso queimado à bebida, é um objeto
de coleção. E, além disso, deixou de ser fabricado.
A disparada nos preços dos melhores uísques
japoneses mostra um dos maiores problemas que qualquer fabricante de bebidas
alcoólicas enfrenta: se a empresa subestimar a demanda futura por um produto
que só será engarrafado e vendido décadas no futuro, não será possível voltar
atrás e aumentar a oferta.
Muitas delas gostariam de dispor de um volume maior
de suas bebidas de maior qualidade para vender, mas agora é tarde demais.
Seria de imaginar que os destiladores se sentiriam gratos a quem resolva esse dilema, mas
não é isso que acontece no caso da Scotch Whisky Association.
Sua reação esta
semana ao projeto da Bespoken Spirits, uma empreitada do Vale do Silício que
permite produzir bebidas alcoólicas em dias, em lugar de décadas, foi brusca.
A
organização ameaçou “tomar medidas no mundo inteiro” para impedir que a Bespoken
contorne a regra de que o uísque escocês precisa ser envelhecido em barris de
carvalho por pelo menos três anos.
Os
destiladores de uísques escoceses single malt como o Macallan e o Glenlivet
deveriam se servir de uma dose e relaxar.
Quando a Bespoken promete reproduzir
o processo de envelhecimento que acontece nos barris de carvalho por meio de um
sistema “projetado com cuidado, realizado com engenharia avançada e
precisamente controlado”, em um tambor de aço inoxidável, a promessa não
convence.
Os melhores uísques são feitos de maneira lenta, ineficiente e
arcaica, e tudo bem.
O setor é grande, e o envelhecimento de bebidas alcoólicas em barris já oculta uma multidão de
pecados.
A despeito dos preços espantosos pagos pelos melhores uísques
japoneses, a regulamentação do país é frouxa e alguns dos produtos mais baratos
são feitos com melaço.
Existe mercado para qualquer bebida forte que tenha
preço acessível e sabor agradável.
Mas o comprador recebe aquilo pelo que paga, e as
pessoas que compram uísques envelhecidos por décadas, em barris de xerez ou
Bourbon, estão comprando –e saboreando– mais do que os produtos químicos
contidos na bebida.
Elas consomem a fragrância do passado e algo inefável que
nem mesmo compreendem, mas ainda assim apreciam. A tecnologia não tem esse
sabor.
FOLHA DE SÃO PAULO