Mundo do direito se mobiliza contra estágios
tóxicos.
Estudantes,
professores e advogados cobram mudanças nessas relações profissionais.
Na avaliação do procurador do trabalho Gustavo
Rizzo Ricardo, coordenador do GT Estagiários da Conafret (Coordenadoria Nacional
de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho), há no Brasil uma tendência de
o estagiário ser tratado como mão de obra barata. Algo que, face à legislação
trabalhista, é fraude.
"Há um problema de conceituação. O estágio não
é um emprego, mas é trabalho. A lei é muito clara quanto a ser um período
educativo", diz o procurador.
"[A lei] não fala que o estagiário pode
ter obrigações excessivas ou prazo para tarefas. Como você pode punir quem você
ainda está educando?"
Para Rizzo, não se trata de excluir a
responsabilidade na atividade de estágio, mas de enquadrá-la corretamente.
"Se o assédio moral não é aceitável em nenhuma relação, que dizer do
assédio a um trabalhador que está em processo de aprendizagem?",
questiona.
Não é que os escritórios ignorem o risco de
processos, já que eles próprios são autores de milhares. Há, porém, um esforço
velado de coibir a judicialização daquilo que, segundo relatos ouvidos
pela Folha, é naturalizado nos escritórios, especialmente em
grandes bancas.
A advogada júnior Patrícia (nome fictício, a pedido
dela) conta que, no grupo de WhatsApp do escritório em que trabalhava, era
comum que supervisores e sócios compartilhassem sentenças de segundo grau de
ações contra a empresa. Para ela, as mensagens chegavam como um recado, o de
que eventuais ações terminariam mal para ex-funcionários.
Hoje, muitos meses depois de sua demissão de outro
grande escritório, ela ainda guarda raiva pelo que considera um ano de terror e
humilhação.
O que era para ser uma oportunidade saudável para
quem estava começando virou um acúmulo de horas extras, cobranças, erros e
frustrações.
A pressão, conta a advogada, a levou a desenvolver um quadro de
ansiedade e depressão, atualmente controlado à base de medicamentos e
terapia.
Para a profissional, a agressividade de condutas
autorizadas nesses escritório esconde ainda uma contradição: entre os
funcionários, gritaria, em público, ações de prevenção ao suicídio, como em
campanha pelo setembro amarelo.
TENTATIVA DE
SUICÍDIO EM GRANDE BANCA DESENCADEOU #METOO DE ESTAGIÁRIOS
Nas últimas semanas, uma campanha semelhante ao
#MeToo se espalhou pelas redes sociais: estagiários e ex-estagiários passaram a
compartilhar suas experiências em escritórios e departamentos jurídicos de
empresas e órgãos públicos, em relatos de desrespeito à Lei do Estágio, assédio
moral e sexual e mesmo intimidação a quem decidisse expor irregularidades e
ilegalidades.
O gatilho para essa onda de exposições –muitas
delas feitas apenas de maneira anônima– foi a tentativa de suicídio de um
estudante de direito durante o horário de trabalho em um renomado escritório em
São Paulo, o Mattos Filho.
O escritório falou do assunto apenas por meio de
nota, na qual lamentou o ocorrido.
Após a publicação desta reportagem, encaminhou
novo comunicado em que diz ter intensificado medidas de apoio aos profissionais
e ampliado os canais de escuta.
Uma consultoria especializada em bem-estar e
saúde foi contratada para identificar possíveis pontos de melhora.
FOLHA DE SÃO PAULO