FOBIA FINANCEIRA


Por que gastamos mais do que ganhamos?

Muitos acham que frustrações podem ser aliviadas abrindo a carteira, dizem especialistas.

NÃO FOMOS TREINADOS PARA FAZER ESCOLHAS

"O dinheiro é um papel pintado ao qual damos vida e é capaz de comprar muito mais do que bens e serviços", diz Paula Sauer, economista e mestre em administração pela PUC-SP, doutoranda em comportamento do consumidor pela ESPM.

"Ele diz aos outros qual o seu status social e lhe dá liberdade de escolha: desde o que você vai comer na hora do almoço até a decisão de deixar um casamento abusivo ou um emprego que te faz infeliz", afirma.

Nesse contexto, diz ela, é natural que as pessoas associem o dinheiro à conquista da felicidade. 

"Mas nossos recursos são finitos, enquanto os nossos desejos –ou o que a publicidade e as redes sociais vendem como se fossem nossos– são infinitos."

"Ao mesmo tempo, nós não somos treinados a fazer escolhas. 

Mas observamos a relação que as pessoas que admiramos têm com o dinheiro. Vamos imitar o seu comportamento ou, ao contrário, evitá-lo, se presenciarmos alguma angústia envolvida."

Para Vera Rita de Mello Ferreira, doutora em psicologia social pela PUC-SP e especialista em psicologia econômica, o alto nível de endividamento da população mostra o quanto não estamos preparados para lidar com dinheiro.

 "Isso gera uma tensão que, muitas vezes, leva as pessoas a fazerem escolhas equivocadas. Desde cair em golpes financeiros até comprar por impulso quando não têm dinheiro."

De acordo com a especialista, presidente do Iarep (International Association for Research in Economic Psychology), e que está à frente da consultoria Vértice Psi, em São Paulo, o dinheiro sempre está carregado de representações emocionais.

"As pessoas gastam mais do que ganham por conta do desejo: você está insatisfeito, mas se depara com um produto que te encantou. Na hora, pensa: 'É isso que vai me trazer felicidade, alívio'. E compra".

"O que costuma durar mais na carteira: 10 notas de R$ 10 ou 1 nota de R$ 100? 

Com certeza, a nota de R$ 100", diz. "Temos uma grande dificuldade em vincular o gasto atual com a sua consequência futura. 

Você gasta várias notas de R$ 10, achando que é só uma nota. 

Daí o endividamento com as compras parceladas", diz ela. "É como o fumante, que diz que vai fumar 'só um cigarrinho', mas acaba com o maço."

Vera chama a atenção ainda para a fartura de oferta de crédito, que dá a sensação de que a pessoa pode tudo. 

"A psicologia econômica diz que o problema de crédito e endividamento são os dois lados da mesma moeda. Uma pessoa só vai se endividar se tiver crédito. 

Se ninguém oferecer, ela não se endivida."

Não por acaso, o levantamento da CNC apontou o aumento das dívidas em cartões e carnês de lojas. 

A alta se deu principalmente no grupo de maior renda: 16,8% das famílias que ganham mais de dez salários mínimos têm dívidas nesta modalidade (contra 13,8% há um ano). 

Já entre as que ganham até dez salários, 19,8% estão com dívidas nos carnês de lojas (frente a 19,1% de agosto de 2021).



FOLHA DE SÃO PAULO
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