A
economia real por enquanto ainda não ensaiou mais que alguns sinais débeis de
recuperação, mas ao menos parte do mercado parece persuadido de que a direção
dos ventos mudou. Em 12 meses a Bolsa brasileira já acumula alta de perto de
70%, encontrando-se quase na altura dos 68 mil pontos, sua melhor pontuação em
quase 5 anos, enquanto o dólar recua e se aproxima dos R$ 3,00, a menor cotação
da moeda americana desde julho de 2015, apesar do alto desemprego e do elevado
endividamento das famílias continuarem trabalhando contra uma rápida reação do
PIB.
Trabalham
a favor da recuperação do PIB - e parece ser nisso que o mercado aposta as suas
fichas - os juros e a inflação em queda, a tendência que se observa de o
governo conseguir aprovar as reformas no Congresso, ainda que cedendo em um ou
outro ponto, a alta nos preços das commodities e o cenário de relativo
aquecimento da economia global. Mas mesmo valorizando esses outros fatores,
convém não esquecer que o País vive o seu terceiro ano de recessão e não se
espera muito de 2017.
Muita
cautela - “É verdade que o preço do minério de ferro quase dobrou e
o do petróleo está de novo subindo, mas a rapidez com que isso acontece
recomenda cautela, mesmo porque tudo isso já está precificado e a dívida
pública bruta, hoje na altura dos 72% do PIB, se não sobe como antigamente
tampouco cai. E o quadro fiscal no mínimo preocupa”, resume Jair Ribeiro,
gestor de Alocação de Ativos da ELETROS, recomendando prudência.
Toda
cautela é pouca porque os ativos em renda variável já parecem ter precificado o
que havia de expectativas e, daqui para a frente, só novos cenários terão
capacidade de produzir novas percepções dos investidores, acredita Jair
Ribeiro. A economia brasileira terá a seu ver de dar sinais mais claros de
recuperação e a global de emitir evidências mais consistentes de que o ambiente
de alta se mantém. Jair particularmente acredita que a tendência que prevalecer
lá fora deverá inclusive pesar mais, porque o risco-país medido pelo CDS
(credit default swap) já cai consistentemente há 12 meses e vem beneficiando
não apenas o Brasil mas vários outras nações emergentes, o que significa dizer
que se trata de um comportamento dissociado dos acontecimentos internos
brasileiros.
Ponto de
inflexão - Ao antecipar as apostas otimistas do mercado financeiro em
relação ao que os analistas consideram como o “ponto de inflexão” que a
economia brasileira estaria prestes a atingir, o Ibovespa acelera e assegura
ganhos expressivos aos investidores no curto prazo. Nas políticas de
investimento dos fundos de pensão, entretanto, embora haja maior interesse pela
possibilidade de ampliar a fatia de renda variável, essa ainda não é uma
realidade significativa e a palavra de ordem é mesmo cautela, segundo
apontam mais gestores e consultores ouvidos pelo Diário. As estratégias adotadas
pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar em 2017 sugerem que
pode haver algum espaço para aumentar gradualmente o apetite pela renda
variável, porém esse movimento será cuidadoso e focado mais nas opções de
gestão ativa, como fundos de valor ou small caps, do que na exuberância do
Ibovespa.
Na
prática, a parcela de alocação das EFPCs em renda variável despencou ao longo
dos últimos anos e está muito abaixo de sua média histórica, que ficava em
torno de 20% dos ativos totais das entidades. “Houve uma queda muito forte
dessa alocação e agora as fundações estão diante da necessidade de refletir com
maior profundidade sobre o nível de risco ideal que devem assumir a longo
prazo”, explica a consultora da Tag Investimentos, Francisca Brasileiro.
Tanto que a Tag mudou sua recomendação de alocação em renda variável de neutra
para “positiva com cautela”.
Seja por
conta dos ciclos econômicos, seja pelo juro alto, a participação da renda
variável está muito baixa nas carteiras das fundações, enfatiza Alexandre
Silvério, sócio gestor da AZ Quest, empresa que tem 40% de seus ativos sob
gestão representados por recursos de fundos de pensão. “Com a redução do
juro, reancoragem das expectativas inflacionárias e políticas que dêem
sustentabilidade a um juro mais baixo, estamos chegando ao ponto de inflexão da
economia”, acredita o gestor.
Esse
cenário, que traz a perspectiva de juro de 4,5% ao ano nas NTN-Bs com
vencimento em 2050, por exemplo, refletirá diretamente na necessidade de
aumento do risco nas carteiras das EFPCs. “Será uma migração natural e a bolsa
hoje está antecipando essas inflexões do cenário”. Por enquanto, Silvério
reconhece que o aumento da alocação das entidades em renda variável ainda é
incipiente. “Mas já percebemos que há mais interesse em discutir, maior troca
de ideias e uma realocação discreta”.
O
levantamento feito pela consultoria Mercer junto ao grupo de EFPCs que monitora
mostrou que, no final de 2016, durante a elaboração das políticas de
investimento para 2017, havia ainda muita hesitação dos gestores e dirigentes
em relação ao espaço para novas altas da Bovespa este ano. “Mesmo assim,
percebemos naquele momento um pequeno aumento da renda variável nas políticas,
lembrando porém que muitas dessas entidades oferecem perfis de investimento e,
nesses casos, quem decide é o participante”, explica o consultor sênior da
Mercer, Lucas Schmidt.
Crescimento
e concentração - Fator essencial para dar sustentação aos
investimentos em renda variável, o crescimento da atividade econômica não está
apoiando as apostas do mercado e é o que mais preocupa. “A atividade econômica
ainda não começou a melhorar mas esperamos que haja maior clareza nesse sentido
a partir do terceiro trimestre deste ano, o que poderá trazer lucros melhores
para as companhias”, observa Silvério.
“O
mercado tem uma sensação de que estamos chegando a esse ponto de inflexão, mas
o crescimento econômico ainda transmite muita incerteza, as projeções para o
PIB vão de ruim a mediana e isso é preocupante, até porque a bolsa está
antecipando bastante a possível retomada econômica”, diz Francisca Brasileiro.
Nesse ambiente, ela nota que a BM&FBovespa reflete um otimismo exagerado.
“Exagerado principalmente no que diz respeito aos setores de petróleo e minério
de ferro, já que os preços do minério de ferro estão em seu ponto máximo e, no
caso do petróleo, a política dos EUA de Trump não é favorável”. Como resultado,
a concentração em commodities volta a ser um problema para a bolsa brasileira,
alerta Francisca.
Gestão
ativa - Para fazer frente ao risco e, ao mesmo tempo, aproveitar o
momento para explorar eventuais oportunidades na bolsa, a recomendação da
consultora é ampliar um pouco a alocação mas não via Ibovespa e sim por
meio de fundos de valor e fundos de small caps compostos por papéis de empresas
com bons fundamentos, uma opção mais atraente a longo prazo do que simplesmente
replicar o Ibovespa e sua alta concentração.
Guardados
todos os cuidados com a volatilidade da bolsa, essa poderá ser uma boa opção
este ano, acredita Lucas Schmidt, que concorda com a tendência a valorizar as estratégias
ativas: “Não será mais uma bolsa indexada e sim uma bolsa especialista, que
tende a render mais do que simplesmente acompanhar o Ibovespa”. Ele lembra que
em 2016 muitos fundos ativos não conseguiram acompanhar os ganhos do Ibovespa,
situação que tende a ser invertida este ano.
O Brasil
tem, historicamente, uma gestão ativa de renda variável bem sucedida, pondera
Alexandre Silvério. Ele reforça a importância de carteiras especialistas este
ano. “Por mais que eu esteja otimista com a economia, uma carteira de ações que
possa se beneficiar da queda dos juros tende a superar o rendimento do
Ibovespa, muito concentrado hoje em ações de bancos e commodities”. Silvério
destaca os segmentos de baixa capitalização, mais relacionados com a
demanda doméstica, como por exemplo os small caps, como opções melhores
para as fundações que estejam interessadas em aumentar um pouco sua
alocação no mercado acionário.
Perfis e
educação - Faz sentido que as EFPCs retomem uma alocação de longo
prazo mais significativa em bolsa, lembra Francisca Brasileiro, porém é preciso
observar que grande parte das decisões caberá aos participantes dos planos, nos
casos das entidades que oferecem perfis diferenciados de investimento.
Esses
planos mantem “janelas” anuais ou semestrais para que os participantes façam
suas escolhas entre os perfis conservador, moderado e agressivo, com diferentes
percentuais de renda variável que podem oscilar de zero até volumes bastante
significativos, ressalta Lucas Schmidt. “Nesse sentido, será fundamental
trabalhar mais a educação previdenciária junto a esse público, porque a última
coisa que uma EFPC quer é ver seus participantes tomarem decisões olhando
apenas para o retrovisor dos ganhos passados, isso aumenta a chance de gerar
prejuízos futuros”.
Diário dos Fundos de Pensão