As ações judiciais contra reajustes de planos de
saúde vêm apresentando uma escalada no estado de São Paulo nos últimos oito
anos.
Foram 2.250 processos entre janeiro e junho deste ano contra 258 no mesmo
período de 2011. A participação dessa queixa no total de ações julgadas contra
os planos mais do que dobrou nesse intervalo, saltando de 14,74% para 32,43%.
O levantamento é do Observatório da Judicialização
da Saúde Suplementar da USP e se refere aos julgamentos de segunda instância no
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que tendem a ser mais
definitivos—embora ainda possa haver recurso.
As reclamações por reajustes,
sejam por aumentos abusivos de contratos coletivos, mudança de faixa etária ou
de sinistralidade, representam a segunda causa de judicialização contra planos
de saúde, depois das exclusões de cobertura ou negativas de tratamento (48% das
decisões).
Com os recentes reajustes anuais de planos coletivos, de até 20%,
quase o triplo do aumento definido pela ANS (Agência Nacional de Saúde
Suplementar) para os planos individuais (7,35%), a tendência é que o número de
ações siga em ritmo crescente, segundo especialistas do setor.
De 2012 a 2018, o acúmulo dos reajustes pelas
operadoras nos planos coletivos chegou a 111,72%, ao passo que o acumulado
pelos planos individuais alcançou 77,29%.
Os planos coletivos representam 80%
do mercado de saúde suplementar brasileiro, de 47,18 milhões de beneficiários,
e não têm o reajuste definido pela ANS, como os individuais.
O aumento anual
segue livre negociação. Para Mario Scheffer, professor da USP e coordenador do
levantamento, o aumento da judicialização é previsível diante da falta de regulação
da ANS sobre os planos coletivos, da quase extinção dos planos individuais e
das ciladas dos novos contratos coletivos.
Ele cita exemplos de operadoras que oferecem planos
empresariais a partir de três vidas, dizendo que eles são até 40% mais baratos
que os individuais.
No entanto, não mencionam que os reajustes anuais são muito
superiores. “Esse tipo de trambique tem ido muito à Justiça.
A ‘vantagem’ só
dura um ano, até o primeiro reajuste.
Em um primeiro momento, a pessoa pensa
que cabe no bolso e depois a coisa explode lá na frente.
” Entre as queixas
contra planos de saúde no Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), reajustes
considerados abusivos estão no topo". Em 2018, eles responderam por 52,8% das
reclamações recebidas.
Segundo a advogada Ana Carolina Navarrete, desde
2017 tem havido mudança no padrão de reclamações recebidas, antes lideradas
pelas negativas de atendimento.
“Os aumentos abusivos expulsam os usuários
dos planos. Pelo volume de judicialização, fica claro que falta regulação da
ANS nesses contratos coletivos”, afirma. Pesquisa do Idec de 2017 avaliou 113
ações judiciais por reajustes considerados abusivos em contratos coletivos. Em
75% dos casos, os aumentos foram suspensos.
Entre os consumidores que tiveram êxito, 56%
obtiveram ressarcimento do valor pago indevidamente e outros 26% conseguiram,
de forma provisória, impedir o reajuste já na decisão de primeira instância.
Os
aumentos contestados foram, em média, de 89%. Navarrete diz que quando o índice
de aumento fixado pela operadora é de 30% ou mais, as chances de a Justiça
derrubá-lo e dar ganho de causa ao usuário são maiores.
Os reajustes são permitidos anualmente, para repor
a inflação do período; por sinistralidade, aplicado quando há uso do plano
acima do previsto pela operadora; e por mudança de faixa etária.
É comum, por
exemplo, haver sobreposição do aumento anual com a sinistralidade. Tanto o TJ
de São Paulo quanto o STJ (Superior Tribunal de Justiça) têm reconhecido o
direito de os usuários de planos coletivos com poucas vidas terem reajustes
semelhantes aos individuais aplicados pela ANS.
Foi o caso de decisão do STJ de abril sobre um
plano que tinha quatro beneficiários. O relator entendeu que o número ínfimo
configurava um contrato coletivo atípico e autorizou aumento semelhante ao
plano individual/familiar.
“Não existe pacificação sobre isso. Há juízes que
entendem que sim e outros que não. Na falta de consenso, há uma enxurrada de
ações sobre o mesmo tema”, diz o advogado Sérgio Tannuri, especialista em
defesa do consumidor.
Na decisão do STJ de abril, o relator argumentou
também que o reajuste aplicado por aumento da sinistralidade não foi
minimamente justificado pela operadora.
A falta de transparência nos dados
sobre sinistralidade tem sido um argumento recorrente dos juízes em decisões
que revertem aumentos. “As pessoas nunca conseguem acesso fácil ao balanço de
prestação de contas das operadoras que justifique o aumento”, afirma Tannuri.
Em nota, a ANS diz que reajuste dos planos coletivos com menos de 30 beneficiários
conta com uma regra específica de agrupamento de contratos, que prevê a
diluição do risco entre os clientes.
Para os planos com 30 beneficiários ou
mais, o reajuste é estabelecido a partir da relação comercial entre a empresa
contratante e a operadora, onde há espaço para negociação, segundo a agência.
A ANS informa também que as operadoras devem seguir
regras para a aplicação dos reajustes coletivos, tais como informar e colocar à
disposição do cliente a memória de cálculo do reajuste e metodologia utilizada
com o mínimo de 30 dias de antecedência da data prevista para o reajuste.
Após
o aumento, os consumidores também podem solicitar formalmente à operadora as
informações, que tem 10 dias para fornecê-las.
A Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde)
diz que as operadoras lidam com gastos cada vez maiores, e que os índices de
reajuste determinados pela ANS são historicamente inferiores à variação de
custos médico-hospitalares.
A inflação médica de 2018 foi de 16,9%, segundo a
associação. O índice é bem acima do IPCA, a inflação oficial do país, que
fechou 2018 em 3,75%.
De acordo com a Abramge, são vários os fatores que
influenciam nos altos custos, como a incorporação de tecnologia, o
envelhecimento da população e a pressão da indústria da saúde.
FOLHA DE SÃO PAULO