A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) condenou nesta terça-feira
Fabrizio Dulcetti Neves, da Atlântica Administração de Recursos, a multa de R$
111,4 milhões por operação fraudulenta que causou prejuízo de US$ 79 milhões
(R$ 250 milhões, câmbio de hoje) ao Postalis, fundo de pensão dos funcionários
dos Corrreios. O caso veio a público em 2014, chegou a ser investigado pela CPI
dos Fundos de Pensão no Congresso e gerou processos movidos na Justiça do
Brasil e dos EUA pelo Postalis contra Nevez e contra a BNY Mellon, que
administrava o fundo que foi alvo de fraude. A BNY Mellon não foi julgada nesse
processo da CVM.
O processo foi instaurado em dezembro de 2015 para apurar indícios
de fraudes supostamente cometidas por Fabrizio Neves, da Atlântica, contra um
fundo de investimento cujo único cotista era o Postalis. O fundo Brasil
Sovereign ll, administrado pela BNY Mellon e gerido pela Atlântica, tinha em
sua carteira duas notas lastreadas em títulos emitidos pelos governos do
Brasil, da Argentina, da Venezuela e da estatal do petróleo venezuelana, a
PDVSA. Os papéis estavam em custódia da corretora Tillerman Securities, sediada
nas Bahamas.
Segundo o relatório de acusação do processo da CVM, a Atlântica
informou à administradora BNY Mellon, em janeiro de 2012, valores errados para
esses papéis. Essa comunicação foi feita via email que continha, segundo a
investigação da CVM, "termsheets" (planilha com dados sobre a
operação) fraudados por Neves. Ao solicitar documentos à instituição que emitiu
as notas, o banco UBS, a BNY Mellon descobriu que, em vez dos cerca de US$ 120
milhões informados pela gestora de Neves, o valor somado de emissão dos dois
papéis era de cerca de US$ 41 milhões. A disparidade entre os valores
apresentados pela Atlântica ao BNY Mellon e aqueles informados pelo emissor, o
UBS, seriam evidências de que o fundo pagou US$ 79.048.500 a mais que o devido,
um sobrepreço de 191,10%.
Segundo o BNY Mellon argumentou, a aquisição das notas foi feita
de forma unilateral pela Atlântica no exterior, o que Neves negou. Segundo sua
defesa, desde maio de 2011 a Atlântica não possuía poder de gestão do fundo uma
vez que o BNY Mello teria exigido em carta, a partir daquele mês, que toda
alteração na carteira fosse previamente comunicada à administradora. Além
disso, os títulos teriam continuado a compor a carteira do fundo mesmo após a
saída da Atlântica, em 2012 (depois disso, o BNY Mellon passou a acumular a
gestão e a administração do fundo).
Para o colegiado da CVM, a carta do BNY Mellon exigindo informações
prévias sobre operações não tem poder de lei para destituir a Atlântica do seu
poder de gestão. Os diretores consideraram comprometedor o e-mail enviado por
uma funcionário da Atlântica contendo os "termsheets" referentes às
operação. Além disso, argumentaram, as operações foram realizadas em dezembro
de 2011, enquanto a Atlântica só pediu renúncia da gestão do fundo em 24 de
janeiro do ano seguinte.
- Não há qualquer dúvida quanto a responsabilidade do acusado na
gestão e que foi ele o autor material dos atos em análise. O acusado negou
quase tudo, a ponto de alegar que não possuía poder de gestão desde maio de
2011. Mas existem fatos incontroversos. Um deles é o e-mail enviado pela
funcionária Priscila Lima, do backoffice da Atlântica, com os "termsheets"
das operações - disse o relator do processo, o diretor da CVM Gustavo Borba. -
Parece-me claro, diante das provas, de que o ardil foi apresentar
"termsheets" adulterados, o que demonstra a indução e manutenção de
terceiros ao erro. Pode-se dizer que, caso fossem apresentados os documentos
verdadeiros, as operações seriam facilmente descobertas, uma vez que as notas
foram emitidas com valores incompatíveis com as condições de mercado (...)
Agrava a situação o fato de o cotista único do fundo ser o Postalis, do que
decorre que a fraude foi realizada em prejuízo do patrimônio de milhares de
aposentados, pensionistas e participantes ativos.
Borba classificou de máxima a gravidade do caso e votou por uma
multa de R$ 438,8 milhões, equivalente a três vezes o lucro obtido com a fraude
(corrigido pelo câmbio da data da operação, de R$ 1,85 por dólar).
Os outros três diretores presentes no julgamento acompanharam o
voto pela acusação mas defenderam que a multa fosse equivalente a 50% do valor
total da operação, resultando na multa final de R$ 111,4 milhões. O acusado
mora em Miami e não estava presente no julgamento. Seu advogado, Luiz Alfredo Ribeiro
da Silva Paulim, afirmou que ele vai recorrer no Conselho de Recursos do
Sistema Financeiro Nacional (CRSFN).
Como o caso julgado ocorreu em 2012, ele não foi afetado pela nova
legislação para as multas da CVM, alterada este ano.
G1