O tema em voga mais
debatido nas últimas semanas é o da reforma da previdência social. Há quem seja
radicalmente contra e aqueles que pregam a sua urgente e imperiosa necessidade.
Os argumentos existem para
ambos os lados, desde o déficit das contas da previdência (embora haja quem
diga ser superavitária); a questão demográfica, que envolve o aumento da
expectativa de vida e, por decorrência, o crescente número de beneficiários
(idosos inativos) em inversa proporção – decrescente – do número de pessoas que
contribuem (jovens ativos), dentro de um modelo em que os que estão atualmente
trabalhando custeiam os benefícios daqueles que estão aposentados; sem deixar
de mencionar os grupos considerados “privilegiados”, com idade de aposentadoria
reduzida, possibilidade de acumulação e com valores de benefícios acima da
média etc.
Dentre as principais
mudanças que estão em debate, temos: fixação da idade mínima para requerer a
aposentadoria tanto para homens como para mulheres; elevação do tempo de
contribuição, com regra de transição e “pedágio”; regras distintas para
trabalhadores da iniciativa privada (INSS), do setor público, trabalhador
rural, categorias específicas (professores, policiais, militares etc.); fim da
“fórmula 85/95”; obrigação da reforma no âmbito dos Estados e Municípios;
criação de fundos de previdência complementar obrigatórios; vedação à
acumulação de benefícios; elevação da alíquota da contribuição; fim da paridade
de reajuste entre ativos e inativos etc.
Muito brevemente, o
Congresso Nacional concluirá os debates e aprovará a reforma da previdência
social, aperfeiçoando o nosso modelo de uma maneira que, assim se espera,
melhor atenda às necessidades da sociedade brasileira.
Independentemente disso,
não podemos olvidar que a Lei de Responsabilidade Fiscal dedica um dispositivo
próprio para o tema da seguridade social (art. 24, LRF), dentro da ideia de
equilíbrio das contas públicas. E, como sabemos, a previdência social encontra-se
dentro deste contexto, afinal, segundo o art. 194 da Constituição Federal, a
seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à
saúde, à previdência e à assistência social.
Os valores e benefícios
pagos à população em geral relativos à saúde (Lei 8.080/1990), à previdência
social (Lei 8.213/1991) e à assistência social (Lei 8.743/1993) deverão possuir
uma fonte de custeio própria, pois a seguridade social será, nos termos do art.
195 da Constituição, financiada por toda a sociedade, de forma direta e
indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I
– do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei,
incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos
ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo
sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II – do
trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo
contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de
previdência social de que trata o art. 201; III – sobre a receita de concursos
de prognósticos; IV – do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem
a lei a ele equiparar.
Conforme estabelece a LRF
(art. 24), nenhum benefício ou serviço relativo à seguridade social – incluindo
os benefícios ou serviço de saúde, previdência e assistência social, inclusive
os destinados aos servidores públicos e militares, ativos e inativos, e aos
pensionistas – poderá ser criado, majorado ou estendido sem a indicação da
fonte de custeio total, nos termos do § 5º do art. 195 da Constituição,
atendidas ainda as exigências do art. 17 da própria lei, ou seja, deverão ser
acompanhados de estimativa de impacto orçamentário-financeiro trienal, da
indicação da origem dos recursos que a suportarão, da comprovação de que não
afetarão as metas fiscais e de um plano de compensação mediante aumento
permanente de receitas ou diminuição de despesas. Entretanto, é dispensado da
referida compensação o aumento de despesa decorrente de: I – concessão de
benefício a quem satisfaça as condições de habilitação prevista na legislação
pertinente; II – expansão quantitativa do atendimento e dos serviços prestados;
III – reajustamento de valor do benefício ou serviço, a fim de preservar seu
valor real.
Mas, ao que parece, diante
das dificuldades financeiras que o país vem atravessando e do caos fiscal em
que muitas unidades da federação se encontram (sobretudo o Estado do Rio de
Janeiro), o dispositivo em comento deixou de ter a devida atenção pelos
governantes, para evitar que se concedam vantagens, benefícios ou aumentos de
gastos sem que se indique a origem dos recursos orçamentários que irão atender
às novas despesas.
Ora, sem soar repetitivo,
é importante ressaltar que a norma contida no artigo 24 da Lei de
Responsabilidade Fiscal tem a finalidade de garantir o equilíbrio fiscal, face
ao caráter contributivo das despesas previdenciárias com aposentadorias e
pensões conferido pela Emenda Constitucional 20/1998, na medida em que
condiciona a criação, majoração ou ampliação de despesas da seguridade social à
indicação da sua fonte de custeio, tal como já dispunha a Constituição Federal
(art. 195, § 5º), além de, por se tratar de despesa obrigatória de caráter
continuado, impor as exigências cautelares estabelecidas na LRF, tais como a
sua estimativa financeira, a indicação da origem dos recursos que as
financiarão, a demonstração de que não irão prejudicar as metas fiscais
estabelecidas e de um plano de compensação financeira mediante aumento
permanente de receitas ou diminuição de despesas.
Não se pode desconsiderar
– e a nossa Constituição já nos diz isso em seu art. 194 – que a seguridade
social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes
Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde,
à previdência e à assistência social, com base na universalidade da cobertura e
do atendimento; na uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às
populações urbanas e rurais; na seletividade e distributividade na prestação
dos benefícios e serviços; na irredutibilidade do valor dos benefícios; na
equidade na forma de participação no custeio; na diversidade da base de
financiamento; e no caráter democrático e descentralizado da administração,
mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos
empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados.
Além disso, assume
fundamental importância nesse momento o princípio da transparência fiscal: como
exige o art. 4º, §2º, inc. IV, “a” da LRF, o Anexo de Metas Fiscais inserido na
LDO deve conter avaliação da situação financeira e atuarial dos regimes geral
de previdência social (RGPS) e próprio dos servidores públicos (RPPS).
Quanto ao RPPS, o
demonstrativo da situação financeira e atuarial, a ser feito por todos os entes
federados, conterá as receitas e as despesas previdenciárias, discriminando as
intraorçamentárias, bem como as classificando por categoria econômica. As
informações deverão abranger os valores relativos aos três últimos exercícios
anteriores ao ano de elaboração da LDO. A avaliação atuarial deve ser feita com
base no Demonstrativo da Projeção Atuarial do RPPS publicado no Relatório
Resumido de Execução Orçamentária do último bimestre do ano anterior ao da
edição da LDO. Eventuais mudanças nos cenários socioeconômicos que ensejem
revisão das variáveis consideradas nas projeções atuariais implicam a
elaboração de novas projeções. A importância desse demonstrativo está na
transparência em relação à preservação do equilíbrio financeiro e atuarial
segundo as boas práticas de contabilidade e atuária, como ressalta o art. 69 da
LRF, de modo que tais informações não podem constituir – especialmente nos
Estados e Municípios – uma caixa-preta inexpugnável aos olhos da sociedade.
Por isso, esperamos todos que, na condução desta reforma da previdência
social, os nossos representantes no Parlamento conjuguem o espírito de
equilíbrio sustentável das contas públicas e da transparência fiscal na seara
previdenciária, ambos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, com os
objetivos republicanos da nossa pátria, com os anseios da sociedade e dos menos
afortunados, tudo conforme os valores liberais e sociais da nossa Constituição
Federal.
Marcus Abraham - Jota