Dobrando-se à insatisfação
popular, a presidente do Chile Michelle Bachelet está propondo mudanças na mais
radical de todas as reformas econômicas do ex-ditador Augusto Pinochet - o
sistema de previdência privada que inspirou uma onda de projetos parecidos no
mundo.
Pela primeira vez, as
empresas terão de contribuir para o sistema, que até agora dependia dos
pagamentos dos trabalhadores a contas de poupança privadas. Bachelet fez o
anúncio em um pronunciamento à nação transmitido pela TV na noite de anteontem.
As propostas estão sendo apresentadas depois que mais de 100 mil manifestantes
saíram às ruas de Santiago no mês passado para exigir mudanças.
É fácil entender a ira
popular. O sistema implementado em 1981 aumentou a taxa nacional de poupança,
deu suporte à expansão dos mercados de capital e alimentou mais de 30 anos de
crescimento econômico.
Mas fracassou em um
aspecto de vital importância: ele paga pensões muito baixas.
Os chilenos recebem uma
aposentadoria média equivalente a 38% de sua renda final, a menor taxa entre as
35 nações da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico
(OCDE), depois da do México. Os fundadores do sistema sinalizaram que essa taxa
seria próxima de 70%.
"Precisamos construir
um sistema de solidariedade que não deixe todas as responsabilidades com os
indivíduos e que os abandona quando eles são deixados para trás", disse
Bachelet.
As propostas marcam uma
mudança de atitude em relação a um sistema que já foi tido por muitos
economistas como uma panaceia na década de 90, uma vez que o envelhecimento
populacional ameaça quebrar os sistemas tradicionais de previdência.
O sistema foi copiado,
pelo menos em parte, por países como Peru, Colômbia e México e elogiado por
candidatos republicanos nos Estados Unidos. Mas ele se mostrou um fardo muito
pesado para os chilenos comuns, que se sentem abandonados na velhice por um governo
que tem mais de US$ 20 bilhões em fundos soberanos e mesmo assim pouco
contribui para o sistema previdenciário.
"As primeiras
gerações que trabalharam sob esse modelo começam a se aposentar e estão
percebendo que suas aposentadorias são muito menores que o prometido", diz
o economista Claudia Sanhueza, membro da Comissão de Pensões estabelecida pelo
governo que propôs mudanças no sistema.
O sistema previdenciário
foi criado na metade da ditadura Pinochet, pelos chamados "Chicago
Boys", economistas formados pela Universidade de Chicago. Ele encaminhava
as contribuições dos trabalhadores para fundos privados, reduzindo a receita do
governo nas décadas seguintes, em troca da redução dos pagamentos de
aposentadorias pelo Estado decorridos 30 anos.
"O sistema foi
imposto durante a ditadura e visto como uma maneira simples de o Estado se
livrar de uma parte importante dos gastos fiscais", diz Sanhueza. "Em
razão de suas origens e resultados, o sistema não tem legitimidade."
Ele foi desencadeado por uma
recessão, cortes nos gastos fiscais e uma repressão a todas as formas de
dissidência. Os chilenos não gostaram de um sistema que lhes foi imposto, mas a
economia não olhou mais para trás.
Os fundos de pensão
acumularam bilhões de dólares em poupanças, chegando a US$ 176 bilhões no mês
passado, grande parte deles aplicados em ações e bônus locais, cortando os
custos financeiros e encerrando décadas de dependência do capital externo. O
PIB cresceu em média 5,2% nos últimos 32 anos.
Com os fundos de pensão
crescendo, assim como a economia, 33 países, do Peru à Polônia, copiaram o
sistema. Nove deles o copiaram em sua totalidade, enquanto que 24 adotaram
partes dele.
Mas ao longo do tempo a
frustração popular foi aumentando, com milhares de chilenos mergulhando na
pobreza ao se aposentar. O sistema não conseguiu cumprir com suas promessas
iniciais sobre o valor das pensões.
O problema é que os
chilenos não poupam o suficiente. Os criadores dos sistema previram que os
trabalhadores iriam fazer contribuições por mais de 30 anos, um estudo da
Pension Funds Association constatou que apenas um em cada quatro aposentados
economizou dinheiro por mais de 25 anos. Como resultado, a aposentadoria média
das pessoas que se aposentaram no ano passado foi de cerca de US$ 400, mas para
cerca de 40% delas a aposentadoria ficou entre US$ 160 e US$ 260.
E o problema estava
piorando. Os fundos de pensão conseguiram um retorno médio sobre os ativos de
12,3% na década de 80, 10,4% na década de 90, 6,3% nos anos 2000 e apenas 4,3%
desde 2010. Com contribuições menores que as esperadas e a queda dos retornos,
o sistema precisava encontrar mais dinheiro em algum outro lugar.
Bachelet disse que os
empregadores serão a nova fonte de recursos e vão pagar 5%, além dos 10% que os
trabalhadores já contribuem. O pagamento extra, que será introduzido
gradualmente ao longo dos próximos dez anos, irá para um chamado pilar de
solidariedade, em vez das contas-poupança pessoais dos trabalhadores,
permitindo ao governo aumentar as atuais pensões e conseguir uma maior
igualdade futura.
As propostas deixarão as contas-poupança individuais da população
intocadas. Aqueles que ganham mais ajudarão aqueles que ganham menos a
economizar para suas aposentadorias, disse o ministro das Finanças Rodrigo
Valdes, destacando a necessidade de um acordo com a oposição para a aprovação
das mudanças. A reforma, conforme se encontram elaboradas, custará US$ 1,5
bilhão, ou 0,5% do PIB, segundo disse Valdes.
Valor