Por entenderem não terem
resposta sozinhos para garantir a sustentabilidade da previdência diante do
desafio da longevidade, os Estados europeus estão abrindo um espaço crescente
para o regime de capitalização. Um quadro mostrando isso, trazendo dados
estatísticos de todos os países que compõem a União Européia, foi apresentado
já no primeiro dia do seminário internacional A Estrutura da Previdência na
Europa, realizado pela UniAbrapp, em Madri, para uma delegação de 42
brasileiros e contando com o patrocínio da Aberdeen Asset Management, Bahia
Asset Management, Icatu Vanguarda, Mafre, Santander Asset Management e
Vanguard. Os números, em sua maioria extraídos de estudos da OCDE -
Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento, e sua análise por
especialistas da própria OCDE e de mais instituições, deixaram evidente
que não apenas os gastos previdenciários, mas também os demais associados ao
fenômeno do envelhecimento da população, estão crescendo como proporção do PIB
nas quase 30 nações integrantes da UE.
Em resposta, há vários
países concedendo estímulos adicionais à capitalização. Nesse sentido, passou a
existir uma forte tendência a tornar a previdência complementar obrigatória,
estando à frente dela nações como a Suiça, Dinamarca e Suécia. Outros países se
inclinam no sentido da adoção de uma semi obrigatoriedade, como a Holanda, onde
as empresas estão sendo levadas a negociar a criação de planos com os
sindicatos dos trabalhadores. E há ainda o Reino Unido, que optou pelo
mecanismo da “inscrição automática”, onde o participante é incluído no plano
mas dele pode sair se desejar.
Taxa de reposição - Um outro quadro
estatístico forneceu mais evidências dessa redução do papel do Estado. Na
Polônia, a taxa de reposição da renda deve cair de 53,0% (2013) para 28,7%
(2060). Dentro do mesmo período de tempo na Espanha a queda deverá ser de 79,0%
para 48,6% e na Letônia de 33,4% para 18,1%. No Brasil, onde temos uma taxa
comparativamente alta, até porque os salários tendem a ser baixos na média, a
Previdência Social precisa reduzi-la, como forma de desonerar o Estado
transferindo parte da responsabilidade estatal para uma previdência
complementar fechada regida pela capitalização e adequadamente fomentada. Nesse
sentido, infelizmente, a atual reforma previdenciária paramétrica não atende as
novas demandas surgidas.
Entre os países
relacionados em uma longa lista produzida pela OCDE, o Brasil aparece em 15º
lugar entre as nações com maior taxa de reposição líquida. A campeã é a Índia,
seguida da Turquia.
No Mundo, as políticas
mais comumente adotadas visando a redução do papel do Estado, inclusive como
resposta à longevidade, passam pela elevação da idade mínima para
aposentadoria, ajustes nas regras a cada período de tempo, aumento das
exigências para a obtenção dos benefícios integrais por viúvas de outros
dependentes, reformas nos sistemas previdenciários que atendem os servidores
públicos, adoção do sistema de contas nocionais (mais claramente adotado pela
Suécia, Itália e Polônia) e estímulos diversos à previdência complementar, este
último tornado semi ou totalmente obrigatória por alguns países e estimulado
via incentivos tributários.
Contas nocionais - Quanto às contas
nocionais, apresentadas e discutidas no evento em Madri, ficou claro para os
participantes do seminário internacional que elas ajudam a tornar os direitos
prometidos mais transparentes para os participantes, mas precisam ser estudadas
com muito cuidado, uma vez que, se por um lado, o trabalhador tem
antecipadamente declarado o que irá receber como aposentadoria, por outro lado
a não formação de fundos separados deixa menos evidente a existência das
necessárias reservas para fazer frente a tais obrigações.
Um outro caminho foi
examinado, o da criação de um fundo soberano. Essa foi a opção feita, para fins
de formação de reserva previdenciária, por países como a Noruega, Japão,
Espanha e outros países, mas a constatação é de que isso não serviria como
solução para o Brasil. O petróleo do “Pré-Sal” até chegou a despertar
esperanças de que isso seria possível, mas a falta de capitais próprios para
explorar a região acabou por comprometer, ainda que dali estejam saindo
recursos em menor escala, por exemplo, para a edução. Para a previdência,
porém, não é suficiente.
De todo modo o fato é que
a previdência complementar vem respondendo muito positivamente aos estímulos
dos governos e às demandas das sociedades nacionais. E as estatísticas da OCDE
não deixam margem a dúvidas quanto a isso. Atualmente, já são 13 os paises que
contam com uma poupança previdenciária igual ou superior a 50% de seus PIBs,
quando no ano 2000 eram 10. No mesmo período de tempo, o número de nações com
reservas previdenciárias iguais ou superiores a 100% dos PIBs foi de 4 para 7.
A Dinamarca, por exemplo, já passou dos 200%.
Políticas variadas - As políticas de fomento
da previdência complementar variam no cenário europeu, mas em geral delas fazem
parte a filiação obrigatória (sejam planos individuais ou obrigatórios),
inscrição automática (se desejar, o trabalhador pode depois pedir para sair,
algo a ele assegurado como forma de garantir o respeito ao conceito de
facultatividade), oferta obrigatória de planos pelas empresas (na Holanda, a
previdência como responsabilidade empresarial antecedeu na história a própria
Previdência Social), existência de planos setoriais (modelos simples permitem à
extensão às pequenas e médias empresas) e incentivos tributários (deduções
maiores para os aportes feitos pelas patrocinadoras e participantes). Colocado
o tema, discutiu-se em Madri quais dessas medidas, ou outras próximas a elas,
poderiam ser úteis no caso brasileiro. Foram várias as respostas, entre as
quais a inscrição automática (já em exame no CNPC, obrigatoriedade de oferta de
planos pelas empresas (sem a necessidade de deles se tornarem patrocinadoras,
para evitar encargos), fortalecimento da educação tributária e maiores
estimulos tributários.
A inscrição automática já
é sucesso, por exemplo, na Inglaterra, onde uma clara vontade política
fez do instrumento parte de uma reforma previdenciária mais ampla. O êxito pode
ser medido pelo crescimento do número de poupadores, para o que contribui a
baixa taxa de solicitações de saída. São inscritos automaticamente, fruto de
uma evolução do desenho inicial, trabalhadores com renda acima de 10 mil libras
anuais e com idade a partir dos 22 anos, sendo os planos escolhidos pelos
patrocinadores. As empresas estão sendo gradualmente incluídas no programa, na
medida em que cresce o seu porte. As taxas administrativas são baixas, sendo
0,75% na opção padrão de investimento, e as contribuições mínimas estão sendo
elevadas até chegar a 8%, percentual distribuído entre o governo (1%),
empregador (3%) e empregado (4%).
Modelo inglês - O modelo inglês,
contudo, pede ajustes, uma vez que o êxito não garante a inexistência de
problemas. As contribuições de 8% não têm se mostrado suficientes para fazer
crescer a poupança, ainda mais em um ambiente de investimentos onde os juros
pagos se aproximam de zero. Além disso, a inclusão em um plano previdenciário
complementar é interpretado por muitos trabalhadores como um desestímulo a se
fazer qualquer outra forma de poupança, pois já estaria sendo poupado o
suficiente. E sem falar que trabalhadores com vários empregos, autônomos e
outros com baixa renda vêm sendo excluídos. Diante dessas dificuldades, a
Inglaterra vem tentando estimular os participantes a elevarem o seu nível
contributivo (mas as autoridades ainda mão se mostram convencidas de terem
encontrado a forma de fazer isso), ao mesmo tempo em que busca se comunicar com
o seu público de forma mais simples e se estuda outras formas simultâneas de
poupar.
Por proposta da Abrapp e
demais segmentos representados no CNPC, o Conselho já estuda a adoção da
inscrição automática no Brasil. E, na discussão gerada por conta disso no
seminário internacional, tornou-se evidente que no caso brasileiro a sua
adoção precisa ser acompanhada de um intenso esforço de educação previdenciária.
Fontes diversificadas - A existência de tantos
desafios, entre eles os juros negativos ou muito baixos praticados em alguns
mercados no mundo, obriga a previdência complementar cada vez mais a pensar em
diversificar as fontes de renda. A Suiça, onde se popularizou o cash balance,
se rende crescentemente a um modelo que combina uma composição entre a renda
continuada e o pagamento único. Já a Holanda, vem adotando o caminho da
flexibilidade em que mistura características do BD e CD, enquanto a Austrália
opta pelos CDs puros. Disso tudo parece nascer a consciência de que o melhor
caminho é aquele que associa flexibilidade com ambientes coletivos onde a
iniciativa individual seja encorajada. Surgiu nos debates pergunta sobre se
planos CDs podem ser suficientes e a resposta foi que sim, mas desde que haja
tempo suficiente para acumulação da poupança, o valor da contribuição seja
adequado e os investimentos proporcionem um retorno dentro do esperado.
Os EUA, com o seu PGBC, e
o Reino Unido e o seu PPF, contam com esquemas garantidores para os
planos BD deficitários e a discussão no seminário internacional foi se caberia
repetir a iniciativa no Brasil. Observou-se, em primeiro lugar, que tanto no
caso norte-americano como no inglês registram-se insuficiências.
Brasil acompanha a
tendência
- Os desafios não são poucos e, para que os participantes tenham um melhor
entendimento deles, o aconselhamento financeiro e a correta comunicação são
itens com os quais a previdência complementar se ocupa cada vez mais nos países
que integram a OCDE. O Brasil acompanha essa tendência, haja vista a
preocupação das nossas associadas em proporcionar educação financeira e
previdenciária através das mais variadas iniciativas, muitas delas via
internet, seja por meio de sites próprios ou pela participação no programa
“Futuro Positivo”, que a Abrapp oferece através de empresa parceira desde 2014
e onde o caráter coletivo garante a repartição dos custos. Nessa mesma linha de
proatividade, a Abrapp promoveu semanas atrás mais um “Encontro Nacional de
Profissionais de Comunicação, Relacionamento e Educação da Previdência
Complementar Fechada”.
Os desafios no ambiente
dos investimentos geraram análises e debates e, também nos países da Europa,
estão presentes os elementos de prudência de que se valem os gestores
brasileiros, entre os quais a mitigação de riscos, uma cuidadosa gestão do
passivo, a ênfase em investir no longo prazo e a aceitação de que é preciso
admitir algum risco a mais para fazer frente à tendência de queda dos juros. Do
que se viu lá e diante das incertezas e volatilidade observadas aqui, restou
para os dirigentes brasileiros sugestões como caprichar na gestão do risco e,
na medida do possível, investir globalmente.
No exterior, como no
Brasil, os investimentos em infraestrutura são frequentemente apontados como
particularmente indicados para receber a alocação da poupança
previdenciária, pois são naturalmente projetos com a natureza de longo prazo
que esse tipo de investidor busca. Além de se estar atendendo com isso a uma
demanda da sociedade. Especialmente no caso brasileiros, porém, os gestores
precisam estar notadamente atentos à falta de produtos financeiros que
viabilizem tais inversões, aos riscos políticos, à segurança contratual e aos
efeitos da “curva J”, conforme é chamado aquele período inicial em que o
investimento ainda não rende de fato.
Irlanda - A Irlanda tem um dos
“cases” mais interessantes no que se refere à educação de conselheiros de
entidades de previdência complementar. Lá eles são integrados a um projeto seis
meses após a sua indicação ou eleição e passam por uma reciclagem a cada 2
anos, sendo propiciar isso uma responsabilidade do empregador e patrocinador.
Adiciona-se a isso os cursos online oferecidos pela agência de supervisão.
Comparado a isso, o Brasil se ressente mais da falta de um esquema efetivo de
aferição da governança das entidades. Quanto à contratação de conselheiros
independentes, prática comum em muitos países, como na Europa, onde é clara
toda uma legislação de responsabilização, sua aplicação no Brasil não encontra
defensores. Culpa do fato de que sua implementação está sendo tentada através
do PL 268, que não nos atende porque, de um lado, desvincula o conselheiro da
entidade, enquanto do outro cria custos.
O fenômeno da longevidade
naturalmente foi abordado, mas começando por um alerta: as atuais tábuas sobre
as quais são montados os planos ainda não refletem fielmente a realidade, algo
agravado pela dificuldade em se encontrar médias. É que as diferenças
observadas ainda são relativamente expressivas, fazendo com que as expectativas
de vida variem conforme o local do nascimento até em um mesmo país, condições
sociais e fatores genéticos. De toda maneira, sabe-se na Europa que a cada ano
de desvio nas projeções resulta no aumento de 3% a 4% nos passivos.
Nos EUA, a expectativa de vida ao nascer já passou dos 79 anos. No ano
2045, mantidas as expectativas da medicina regenerativa, a projeção é de 142
anos para quem nasce hoje. Isso torna o negócio com anuidades um tema
interessante de ser discutido em qualquer lugar do mundo, mas notadamente no
Brasil, onde este praticamente inexiste. Mas tudo indica que atos da Previc e
Susep dos últimos 3 anos permitirão começar a destravar em breve esse mercado.
A regulamentação, pela Superintendência de Seguros Privados (Susep), da
Resolução nº 345, que trata da transferência de riscos de Entidades Fechadas de
Previdência Complementar para o mercado segurador e ressegurador, trouxe uma
definição que permitirá, finalmente, a criação e oferta de produtos compatíveis
com as demandas de cobertura de riscos específicos pelas EFPCs. O próximo passo
deverá ser a edição de uma IN pela Previc, para esclarecer aspectos da
operacionalização, contabilização e outros procedimentos por parte das
entidades.
Diário dos Fundos de Pensão