Desde que
foi anunciada, a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 287, que trata da
reforma da Previdência Social, espalhou um clima de incertezas, medo e
instabilidade entre os brasileiros, que veem o sonho da aposentadoria cada vez
mais distante. A proposta tramita no Congresso Nacional e, se aprovada, mexe com
direitos sociais, a exemplo da idade mínima fixada em 65 anos para a
aposentadoria de homens e mulheres, inclusive servidores públicos. Segundo o
governo, a única categoria que não será afetada pelas novas normas é a dos
militares.
País
afora, não há outro assunto, a não ser as mudanças nas regras previdenciárias e
a ameaça que bate à porta da maioria dos trabalhadores: não conseguir alcançar
o almejado objetivo da aposentadoria.
Na
entrevista que segue, a especialista em Direito Previdenciário, a professora
universitária Luciana de Melo Figueiredo alerta para as consequências que a
reforma trará para o trabalhador caso seja aprovada da forma como foi
encaminhada ao Congresso. Acompanhe.
Gazeta. O
que significa, na prática a reforma da Previdência Social anunciada pelo
governo federal ?
Luciana
de Melo Figueredo. É uma necessidade, na verdade, que o sistema tem. Isso aí a
gente não discute. Nós estamos com uma expectativa de sobrevida que só aumenta.
Hoje já ultrapassa os 75 anos de idade e óbvio que era natural que houvesse a
necessidade de reanálise das regras da aposentadoria. Eu só não acredito que
tivesse que ser dessa forma. O que mais me chocou em relação a essa proposta que
estão trazendo é a forma de se calcular o tempo de serviço. Hoje, a regra que
está em vigor é a fórmula 85/95.
O
significa essa regra?
Pela
fórmula 85/95 as mulheres se aposentam hoje com 55 anos de idade e 30 de tempo
de contribuição e os homens com 65 anos de idade e 35 de tempo de contribuição.
A
intenção com a PEC é de uma aposentadoria por idade. Pela proposta, a cada dois
anos, se houver um incremento de mais um ano, essa base pode ser modificada.
Então, é 65 anos hoje. Pode passar a ser 66, 67, 70, de acordo com a
expectativa de sobrevida. Tudo vai depender desse estudo que o IBGE se propõe a
fazer periodicamente. A proposta hoje é de 65 anos, unificando para homens e
mulheres, mais 25 anos de tempo de contribuição.
Da forma
como está sendo anunciada, a reforma mexeu com o trabalhador. Para vocês que
lidam com o Direito Previdenciário, como está sendo encarada?
O impacto
social é muito negativo, mas uma reforma é necessária por conta da expectativa
de sobrevida. Para que os cofres públicos suportem o peso dessa massa de
trabalhadores que um dia farão parte da massa de aposentados, é necessário
fazer ajustes. Agora, você fazer ajustes suprimindo direitos, é uma situação
bem complicada.
E é isso
o que está acontecendo?
É o que
está acontecendo agora, porque o cálculo da aposentadoria vai trazer uma base
de 51% como média. Quer dizer, a gente trabalha uma vida inteira, se dedica a
tudo, a construir uma vida, e vai levar 51%.
Outra
questão que o texto traz é meio que a obrigatoriedade de que exista a
previdência complementar, que até então era uma possibilidade. Aos poucos, ela
está se tornando quase obrigatória. Inclusive, no texto da PEC eles definem um
prazo de 24 meses, ou seja, de dois anos, para que os regimes de previdência
complementar sejam instituídos. Com essa PEC, as regras, tanto para quem é do
INSS, do RGPS [Regime Geral de Previdência Social], quanto para quem é das
previdências próprias, os servidores públicos de cargo efetivo, elas serão
unificadas. Então, esse regramento vai se adequar a todo mundo.
Quem não
puder pagar aposentadoria complementar estará numa situação complicada, então?
É bem
complicado por conta dessa base de cálculo. Como é feito o cálculo da renda
mensal da aposentadoria? Cem por cento do salário de benefício. O salário de
benefício é uma média aritmética simples de 80% dos maiores salários de
contribuição dentro do nosso período contributivo. Mas, se a proposta passar e
entrar em vigor, vamos ter 51% dessa média e aí a situação se complica.
Imagine que
uma média aritmética gere um valor de R$ 2 mil. Quando você incide isso, cai
para R$ 1 mil e 20. O impacto financeiro é muito sério. A necessidade atuarial
é fato. As pessoas estão vivendo e a gente precisa apertar a válvula de saída
de recurso do sistema, mas não dessa maneira. Aposentadoria compulsória para
quem completa os 75 anos consegue ser pior ainda. Digamos que uma pessoa que
tenha tido 20 anos só de tempo de contribuição vai receber R$ 820. Quer dizer,
ainda perde mais. É uma situação bem complicada.
Essa
reforma vem sendo falada, discutida desde o governo Lula, passou pelo governo
Dilma e se concretiza agora. Era essa a reforma que está aí?
Na
realidade, a gente vem passando por esse processo de mudança desde 1998, quando
tivemos a primeira grande reforma do sistema, que foi a Emenda 20. Até então,
as pessoas se aposentavam por tempo de serviço. Com a emenda, passou a ser por
tempo de contribuição. E por que isso se deu? Já era o sistema buscando uma
reestruturação com a expectativa de sobrevida, que a partir dali vinha
aumentando.
Todo esse
processo tem fundamento. É uma necessidade do sistema por tudo que a gente vem
vivenciando. A medicina tem avançado, as pessoas consequentemente têm acesso
aos exames, detecção de doenças. Isso tudo aumenta a qualidade de vida. O
problema é que a base contributiva está diminuindo, porque as famílias estão
optando por não ter filhos, porque é dispendioso, passamos por esse problema do
zika vírus. Muitas crianças com microcefalia. Essas pessoas não vão entrar no
mercado de trabalho, isso traz um impacto para o sistema. Toda repercussão
afeta o sistema de seguridade social, não é nem só a previdência. Então, o
impacto do aumento de sobrevida é bom e é ruim, porque na contrapartida está a
necessidade de enxugar as despesas.
O mercado
de trabalho se fecha para o trabalhador a partir de determinada idade. Vai ter
mercado para esse público?
A gente
tem um mercado de trabalho preconceituoso, onde uma pessoa que passou dos 40
anos vai sentir dificuldade de se colocar profissionalmente, infelizmente. Isso
deveria ser levado em consideração. Só que quando se faz a análise de
expectativa de sobrevida, não se leva em consideração esses detalhes sociais. É
só o quanto as pessoas estão vivendo.
É por
isso que nas análises atuariais leva-se em consideração a idade das pessoas, o
número de dependentes. Porque muitas vezes, por exemplo, o trabalhador falecendo,
se ele deixar dependente aquele dependente pode receber pensão. O que, aliás, é
uma outra problemática porque essa PEC também traz uma análise nesse sentido.
A PEC
também muda o pagamento de pensões?
Hoje
pode-se cumular. Por exemplo: eu sou casada, meu marido falece, hoje posso
cumular minha aposentadoria com minha pensão. A PEC diz que não poderá mais.
Vou ter que fazer a opção, o que para mim é uma aberração, um absurdo, porque
são naturezas jurídicas distintas. Eu vou me aposentar porque contribuí para o
sistema. Eu sou pensionista porque eu tinha uma dependência econômica de uma
pessoa com quem eu vivia. São naturezas completamente distintas. Por que você
vai mexer nisso?
Mas o texto da PEC também traz essa impossibilidade de
cumulação de pensão com aposentadoria e de pensões que já existem, exceto se
forem regimes distintos, por exemplo uma pessoa é pensionista de um regime
próprio de municípios, estado, União e do regime geral de previdência não podem
cumular a partir dessa PEC. Então, o impacto é maior do que a gente imagina.
Gazeta de Alagoas