Fundos de pensão: Ética e governança andam juntas


A necessidade de alinhar o discurso dos princípios éticos e da boa  governança a uma prática efetiva e explícita nos processos diários das EFPC, em um momento em que se busca reconquistar a confiança da sociedade e reafirmar que os fundos de pensão são parte da solução para o País,   deram o tom da abertura do segundo seminário Ética e Boas Práticas de Governança no Fortalecimento da Confiança. O evento, realizado pelo SINDAPP em parceria com a Secretaria de Políticas da Previdência Complementar (SPPC), com apoio institucional da ABRAPP, começou ontem e segue até hoje (30), no Rio de Janeiro.

 

“Tenho grande satisfação em ver a plenária cheia na abertura deste seminário. É nosso sexto evento de ética, e o segundo em parceria com a SPPC, unindo dois temas da maior importância e que são indissociáveis: boa governança não existe sem princípios éticos”, afirmou Nélia Pozzi, presidente do SINDAPP.

 

Nélia Pozzi acrescentou: “Somos gestores de recursos de terceiros e no longo prazo. Não basta  agir com ética em todos os nossos atos, precisamos mostrar e deixar isso claro para a sociedade. A ética vem em primeiro lugar, antes de qualquer coisa, no ambiente previdenciário”.

 

 

Prática diária - “Neste evento pretendemos não apenas discutir ética e governança, mas também provocar a mudança de comportamento. Não basta falar sobre ética, é preciso praticá-la no dia a dia”, destacou Carlos Alberto Pereira, diretor executivo e responsável pela Comissão de Ética do SINDAPP.

 

O diretor executivo ressaltou que dirigentes e conselheiros devem evitar a cultura da “janela quebrada”, na qual um exemplo ruim induz comportamentos semelhantes. “Precisamos produzir ambientes em que possamos acolher e estimular as pessoas a agirem dentro do ambiente legal, estreitado com os princípios éticos e, agora, ainda mais, com a autorregulação”.

 

O presidente da ABRAPP, José Ribeiro Pena Neto, destacou a força da vida associativa demostrada no 37º Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão. “Mesmo em um cenário difícil, mostramos à sociedade que o sistema é importante, forte, e que não é parte do problema, mas da solução para o País. E isso graças à ética e a governança que tem permeado a grande maioria das entidades, evidenciando que problemas noticiados são exceções”.

 

“Isso fortalece a minha impressão de que temos feito o dever de casa e continuaremos fazendo, e o SINDAPP mostra que tem grande papel a desempenhar para isso, com sua Comissão de Ética e com o apoio da ABRAPP”, completou Pena Neto.

 

O título do evento tem tudo a ver com o cenário atual, afirmou   secretário adjunto da Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Fazenda, José Edson da Cunha Júnior. “Como administradores de recursos de terceiros e de longo prazo temos dever fiduciário exacerbado. Portanto, é necessário ter mecanismos, independente do tamanho de entidade, de gerenciamento de riscos e um  processo de comunicação claro e transparente”.

 

“E esse cenário nosso de risco de imagem dos fundos de pensão, precisamos reforçar que não obstante é o principal instrumento global de formação de poupança de longo prazo – quando bem gerido com ética e boas praticas de governança”, completou Cunha Júnior.

 

 

Palestra Magna - A ética é uma ciência prática (demonstrada por meio da ação e não do discurso) e pública (validada pelo outro e não por si), destacou o filósofo Luis Felipe Pondé na palestra magna “Criação de Cultura Ética e de Compliance”.

 

Pondé afirmou que o desenvolvimento da tecnologia empurra a sociedade e as instituições para uma cultura de cada vez mais compliance e controles. Este avanço ja está acontecendo, e tem associado a isso a ética como dimensão da vida humana que é sempre pública (atestada pelos outros). Esta dimensão também lida com a ideia de que os princípios éticos devem valer para o maior numero de pessoas ou todos.

 

Ao mesmo tempo, em instituições onde há sofrimento, inconsistência e conflitos estruturais gera-se ambiente de desarmonia que leva às pessoas a agirem de forma antiética.

 

Além disso, observou Pondé, a própria cultura brasileira da cordialidade, que tende à informalidade e a tratar como privado o que é público, mostra-se avessa a regras e  acrescenta desafios para a adoção de normas éticas.

 

Contudo, a tendência da transparência é inevitável, e reforçará cada vez mais comportamentos éticos, estimulada pela demanda da sociedade e os avanços da tecnologia da informação.

 

 

Evolução -  O primeiro painel “A Evolução e os Novos Desafios na Governança das EFPC”, contou com a participação de Sérgio Martins Gouveia, membro da Comissão de Ética do SINDAPP, Adriana Carvalho Vieira, coordenadora da CTN de Governança da Abrapp, e Flávio Martins Rodrigues, sócio do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva Advogados.

Sergio Gouveia disse que no atual cenário é preciso trabalhar para restabelecer a confiança, e que o sistema vive cenário complexo que traz novos desafios relacionados à governança.

 

Adriana de Carvalho Vieira fez um apanhado da evolução da legislação referente às EFPC e do arcabouço regulatório relacionado à governança. Ela ressaltou que há regulação suficiente, entidades com padrões elevados e órgãos de supervisão alinhados com as melhores práticas. Então o que estaria faltando para reconquistar confiança dos participantes e população?

 

Na visão de Adriana, é preciso aprimorar a dimensão humana da governança. A resposta a esse desafio passa pelo patrocínio da alta gestão às boas práticas de governança; conscientização e responsabilização; busca por qualificação e capacitação em todos os níveis da entidade; e integrar nos processos de tomada de decisão a aferição sobre o cumprimento de valores como sobre ética, independência e ausência de conflito de interesses, sempre em alinhamento aos interesses da entidade.

Em sua apresentação, Flávio Martins Rodrigues também abordou aspectos relacionados à regulação e à dimensão humana da governança, e sua relação com a efetividade das atividades da própria EFPC.

 

Dentre os desafios citados, destacou a importância da preparação de membros de conselhos deliberativo e fiscal, ressaltando que a entidade tem que não só buscar atualizar seus dirigentes como alocar treinamentos para formar quadros de futuros gestores. “Uma pessoa com má formação técnica e gerencial poderá, ainda que sem intenção de agir de forma não ética, ser induzida a isso por outros em uma deliberação porque seu entendimento não alcança o que seria o mais correto, adequado para aquela situação”.   

 

 

 

Autorregulação em governança de investimentos - O segundo painel “Autorregulação em Governança de Investimentos: Processos e passos fundamentais para adesões das EFPC” contou com a palestra do consultor e economista Luiz Calado, moderada pelo diretor executivo do SINDAPP e coordenador da Comissão Mista de Autorregulação, José Luiz Rauen.

 

Luiz Calado trouxe exemplos de negócios da nova economia, como Uber e WhatsApp que sofreram revezes recentes em função da instabilidade gerada por ineficiências regulatórias. O economista acrescentou que mercados não autorregulados, em que o Estado é o único regulador, podem ficar mais suscetíveis a riscos relacionados a mudanças no governo. Nesse sentido, a iniciativa da autorregulação iniciada no sistema de previdência complementar fechada ajudará a proteger o mercado e aprimorar as regras para o ambiente existente.  

 

O consultor destacou que as nove exigências para a adesão no Código de Autorregulação em Governança de Investimentos são simples, estão dentro das práticas de governança do dia a dia das entidades, e trazem benefícios relevantes. “As exigências contribuem para dar mais transparências às informações e validar atitudes éticas, além de diminuir o ambiente da “janela quebrada”, eliminando o risco de contaminação do sistema por casos excepcionais de abusos”.

 

José Luiz Rauen reforçou que a autorregulação é complementar à estatal, e vem a colaborar para a manutenção de bons padrões éticos e de governança.  “A autorregulação é facultativa – vão aderir os que quiserem, mas temos certeza que nessa caminhada vamos conquistar todo o sistema porque é uma iniciativa que veio para contribuir ao nosso ambiente”.

 

 

A valorização dos direitos humanos - A  interlocução entre direitos humanos e organizacões foi abordada no painel “A valorização dos direitos humanos e a responsabilidade das empresas”, com palestra de Flávia Piovesan, secretária de Direitos Humanos do Ministério da Justiça e moderação de José Ribeiro Pena Neto.

 

Flávia informou que a Secretaria tem a perspectiva de apresentar para consulta pública, em outubro de 2017, um plano de ação nacional para que o Brasil tenha uma política pública relacionada a Direitos Humanos e Empresas, conforme recomendação da ONU. Ela ressaltou que hoje muitas empresas  multinacionais são maiores em faturamento do que as economias de muitos países, mas tem muito a avançar em temas como redução da discriminação racial, igualdade de oportunidades de gênero, e promoção de trabalho decente, com dignidade à pessoa humana.

 

“Do ponto de vista econômico, para as empresas, respeitar direitos significa lucro. Desrespeitá-los acarreta prejuízos econômicos e de imagem”, observou como mais um argumento positivo para que essa causa passe a ser incorporada na cultura das corporações.

 

Lembrando que os fundos de pensão têm trabalhado há uma década investimentos socialmente responsáveis, Devanir Silva, superintendente-geral da Abrapp, propôs o início de uma maior aproximação institucional entre a associação e a secretaria, de forma que os fundos possam contribuir para a elaboração do plano, apresentando as suas boas práticas  relacionadas aos direitos humanos.

 

José Ribeiro Pena Neto acrescentou que os fundos de pensão podem contribuir para esta causa atuando em pelo menos três pilares: nas empresas investidas, empresas patrocinadoras e em suas próprias casas, fomentando práticas de equidade.

 

 

Transparência e controle - O último painel tratou do tema “A transparência e o controle em cada órgão estatutário”, mediado por Carlos Alberto Pereira, diretor executivo e responsável pela Comissão de Ética do SINDAPP.

 

Carlos Alberto Pereira ressaltou que os órgão colegiados, em seu coletivo, e os seus respectivos membros, individualmente, tem o dever e a obrigação de dar o exemplo de conduta e prática ética dentro da entidade. “Há uma frase que permanece atual: um exemplo vale mais que mil palavras”, ressaltando a importância de que a prática seja  coerente com o discurso ético.

 

Ricardo Pena Pinheiro, diretor-presidente da Funpresp-Exe, apresentou os princípios de boa governança e observou que os problemas identificados em fundos de pensão em CPI  realizada neste ano e em épocas anteriores parecem ser recorrentes, como a falta de competência de alguns poucos gestores nos casos apontados, falhas de governança e controles internos e conflitos de interesses. Pinheiro destacou a evolução das normas e da regulação e reforçou que do ponto de vista de controles e transparência, o enquadramento legal é suficiente, mas o que mais se precisa é a prática dos gestores.

 

Em seguida, Pinheiro apresentou as políticas e a estrutura de governança da Funpresp-Exe, que completou três anos. Dentre estas, está a constituição de comitês para assessorar e enriquecer o processo decisório dos órgãos estatutários  relacionado a investimentos e demais instâncias relevantes para a entidade.

 

A diretora-superintendente da Valia, Maria Gurgel, apresentou o case prático de boa governança da entidade, que possui 100% dos processos que fazem parte da sua cadeia de valor certificados (ISO 9001). Entre os destaques da entidade relacionada aos órgãos estatutários, está a constituição de um comitê de investimentos que assessora a Diretoria Executiva, (composto pelos gestores da área financeira, a própria diretora-superintendente, e o gestor de risco operacional e governança).

 

A entidade também possui um comitê financeiro pelo qual passam as decisões de investimentos, que assessora o Conselho Deliberativo. Este conselho é composto por gestores de diversas áreas da Vale (principal patrocinadora) como crédito, controladoria e jurídico. “Procuramos nos cercar de todas as competências possíveis para ter um grupo questionador possível, minimizando o erro nas decisões”, completou Maria, acrescentando que a entidade pretende aderir em breve também à autorregulação.  

Diário dos Fundos de Pensão
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