Dois pilares do
atual sistema produzem enormes distorções.
Depois de enviar o texto da reforma da Previdência ao Congresso, o ministro da
Economia, Paulo Guedes, concedeu uma única entrevista a canais estatais de TV.
Não é exatamente um expediente democrático, dado o sacrifício que as mudanças
vão exigir de parcela importante da população, mas sigamos em frente.
Na entrevista,
Guedes voltou a bater na tecla de que a reforma da Previdência vai reduzir a
desigualdade entre ricos e pobres. Por dever de ofício, sempre desconfio dos
argumentos utilizados pelos governos para defender seus projetos, mas, dessa
vez, acredito que o ministro está certo.
Há vários motivos
para apoiar a reforma da Previdência já expostos nesse espaço: reduzir o rombo
nas contas públicas, atrair investimentos, gerar crescimento e emprego. Mas o
principal deles é que se trata, sim, de uma questão de justiça.
Dois pilares do
atual sistema de aposentadorias– a possibilidade de se aposentar por tempo de
contribuição e as regras especiais para servidores públicos – produzem enormes
distorções.
Pedro Fernando
Nery, servidor do Senado e especialista em Previdência, nos propõe um exercício
simples: utilizar um exemplo hipotético de um engenheiro, um pedreiro, e um
juiz.
Vindo de uma
família de classe média alta, o engenheiro cursou uma boa faculdade e ingressou
numa construtora, com carteira assinada, aos 20 anos. Pelas regras atuais, ele
pode se aposentar aos 55 anos – idade média dos homens que conseguem o
benefício por tempo de contribuição. Sua renda será o teto do INSS: R$
5.839,45.
O pedreiro é de
origem humilde. Começou a trabalhar como servente até mais cedo que o
engenheiro, mas teve poucos períodos de carteira assinada. Sem atingir os 35
anos exigidos de contribuição, só pode se aposentar depois dos 65 anos,
ganhando um salário mínimo: R$ 998.
O juiz começou sua
carreira como advogado, mas não estava indo tão bem e resolveu prestar concurso
público. Passou para um cargo de nível médio e depois no Judiciário – ou seja,
sua contribuição previdenciária inicial era baixa. Tornou-se desembargador dois
anos antes de se aposentar. Se tiver ingressado antes de 2003, seu benefício
será de R$ 30.471,11.
Acredito que esses números falam por si. A reforma
de Guedes é perfeita? Claro que não. Ainda não mostrou qual será a conta dos
militares, propôs elevar para 70 a idade mínima dos benefícios sociais para os
miseráveis (um absurdo que o Congresso deve derrubar rapidamente), continua
beneficiando categorias específicas como professores, policiais. Mas resolve
parcialmente o absurdo descrito acima. Só por isso já vale a pena.
Raquel Landim, jornal FSP