A
proposta de adoção do mecanismo de adesão automática já está no Conselho
Nacional de Previdência Complementar (CNPC), enviada pela Abrapp e demais
representantes da sociedade civil, apoiada em extensa base jurídica, e
consta da pauta para discussão e deliberação já na primeira reunião do
ano do CNPC, no próximo dia 22. Entre as medidas de fomento, é algo que a
Abrapp coloca em um dos primeiros lugares e gostaria de ver efetivamente
discutida. “Será um instrumento fundamental de fomento”, resume o Presidente da
Abrapp, Luís Ricardo Marcondes Martins.
Há no
mundo inúmeras experiências bem sucedidas, onde a adesão automática está
sendo um grande instrumento da ampliação da cobertura previdenciária.
O que se
está propondo ao Conselho é a aprovação de um mecanismo que não prejudica, em
absoluto, a prerrogativa do exercício da facultatividade na adesão ao plano,
apenas desloca no tempo a manifestação de vontade por parte do trabalhador. De
fato, o que muda é unicamente o momento em que o participante é chamado a
manifestar-se: no lugar de pedir para entrar no plano, o trabalhador é automaticamente
nele incluído, mas se não desejar ficar pode pedir a sua saída e ser
imediatamente atendido.
Constitucionalidade
e legalidade - A constitucionalidade e legalidade da proposta
são claramente sustentadas por alguns dos nomes de maior projeção do mundo
jurídico especializado. E, para ajudar a dar ainda maior
consistência ao debate de um tema que se impõe cada vez mais como fundamental,
o Diário solicitou os depoimentos de advogados que se alinham entre os que mais
de perto conhecem a previdência complementar. E os publica em seguida, com uma
variada argumentação que combina preocupações sociais, pensamento jurídico,
motivações econômicas e justificadas investidas no mundo do comportamento
humano pouco ou nada racional. Vamos ao que disseram os nossos formadores de
opinião:
O
advogado Adacir Reis, do escritório Reis, Tôrres, Florêncio,
Corrêa e Oliveira Advocacia, diz: ““Entendo que o instituto da adesão
automática, ou presumida, está conceitualmente em harmonia com os princípios
constitucionais e legais que regem a previdência complementar brasileira. A
pessoa é livre para ficar no plano previdenciário ou não, manifestando sua
vontade, omissiva ou comissivamente, ou seja, por omissão ou por ação”.
Além
disso, prossegue Adacir, “o CNPC é o fórum adequado para debater e
disciplinar tal tema, pois o Conselho é, por expressa definição legal, o órgão
regulador do sistema. É bom lembrar que o CNPC é dotado de legitimidade,
representatividade e competência legal para enfrentar os grandes temas
regulatórios da previdência complementar, daí a força de uma resolução oriunda
daquele órgão colegiado”.
Aliás,
continua Adacir, “o Superior Tribunal de Justiça, ainda que noutro
tema, já reconheceu a competência do CNPC para atuar como órgão normativo do
setor. Assim, a inscrição automática é iniciativa que, a meu ver, ao lado de
outras medidas, vai contribuir para o fomento dos fundos de pensão. A Abrapp
está de parabéns por abraçar essa bandeira”.
Diz
Daniel Pulino, Procurador Federal, professor de Direito Previdenciário da
PUC-SP e membro do Conselho Deliberativo da Funpresp-Exe, que
“"seguramente a experiência da inscrição automática na FUNPRESP trouxe
resultados altamente expressivos e imediatos na taxa de participantes que entram
e resolvem permanecer na previdência complementar, o que foi fundamental para
dar ao servidor e seus familiares uma cobertura previdenciária mais próxima de
seu padrão de renda.
Pulino lembra
em seguida que “muitos diziam que a União não teria interesse, que gastaria,
como de fato gasta mais, com mais gente aderindo ao plano, mas a preocupação
foi justamente a contrária, foi com a proteção dos que ficavam de fora por
simples inércia, deixando até de receber a substancial contribuição de 8,5%.
Prevaleceu a preocupação com a proteção efetiva do servidor, a melhoria da sua
condição social, o bem-estar social, a universalidade, uniformidade e equidade,
como nos falam literalmente os arts. 7º, 193 e 194 da Constituição, sempre
respeitando a autonomia privada, que é regra de ouro no sistema”.
O que
entra em pauta agora, acrescenta Pulino, ao menos juridicamente, é saber
se há diferença substancial no momento inicial da relação de trabalho nos
setores público e privado e também, o que há tempos se espera, a discussão
sobre o real alcance e limites da competência regulatória do CNPC, que, por seu
caráter descentralizado e democrático (art. 194 da Constituição) e pela
recorrente menção nas Leis n. 108 e 109 à sua atuação normativa, encontra
particularmente nessa questão da automaticidade um palco riquíssimo para atuar
com responsabilidade na definição do exercício de direitos e deveres
previdenciários atinentes, imediatamente, à proteção de participantes e ao
crescimento da poupança nacional e, mediatamente, ao tão desejado incremento do
sistema".
Fernando
Henrique Corrêa Custodio, juiz federal, escreveu para a edição de
setembro/outubro da Revista Fundos de Pensão um longo artigo onde, ao
concluir, dizia que “a regra de facultatividade na adesão a planos
complementares fechados deve ser interpretada de maneira a possibilitar a
modalidade tácita de filiação, no próprio ato de contratação ou filiação à
entidade classista/profissional”.
Está
também assegurada, segundo Custódio, o exercício do direito
de livre associação e desfiliação, conforme assegurado ao particular como
direito humano fundamental pelo artigo 5º, XX, da CF/88.
Notava Custódio
que a inexistência do objetivo de lucro, de um lado, e a identidade de grupo
fornecida pela empresa para a qual o funcionário trabalha ou o sindicato ou
associação à qual se filia, de outro, são fortes diferenciais da previdência
complementar fechada. “Tal diferenciação em termos de nível de abrangência dos
potenciais beneficiários gera consequências jurídicas inevitáveis dentro do
regime jurídico de filiação”, observava no artigo.
Notava
ainda que “dentro desta linha, e tendo em vista a principal finalidade da
criação do regime de previdência privada complementar na modalidade fechada –
manutenção do padrão financeiro do trabalhador quando da aposentadoria –, é
fácil perceber que o melhor momento para ingresso do mesmo no sistema é quando
da própria contratação ou filiação à associação profissional ou classista”.
“Até
pouco tempo atrás, as políticas de promoção da adesão de empregados a planos de
previdência complementar, no Brasil e em todo o mundo, eram basicamente
tributárias, lembrando que esse regime complementar, no nosso caso e na maioria
dos demais países, é facultativo, começa lembrando o advogado Flávio Martins
Rodrigues, do escritório Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues
Advogados.
Flávio
prossegue observando que “nas últimas décadas, porém, vários países –
como EUA, Reino Unido, Chile e Nova Zelândia – passaram a adotar uma nova forma
de incentivo através da chamada adesão automática. O principal paradigma foi
trazido pelos Estados Unidos que, em 1998, adotou o automatic enrolment,
posteriormente aprimorado pelo Pension Protection Act em 2006”.
O
conceito central é de que “o cidadão não deve ser obrigado a ter um plano de
previdência complementar, mas a legislação deve dar um “empurrão” (na expressão
inglesa nudge) na direção correta. Cria-se uma presunção jurídica de vontade de
aderir, sendo admitida a saída num determinado período de tempo, sem qualquer
perda. Dito de outra forma, a decisão de não ter a proteção da previdência
complementar será resultado de uma reflexão mais profunda do empregado, ao
manifestar formalmente a sua vontade de se desvincular do plano”.
Recorda Flávio
que “o sistema americano prevê ainda um aumento progressivo de 3% a 6% da
contribuição do empregado, do primeiro ao quinto ano para evitar planos com
pouca capitalização. A normatização americana estabelece ainda um rol de opções
de investimentos para participantes em automatic enrolment, de forma a evitar
perfis com mais risco”.
“A adesão
automática é comprovadamente”, reforça Flávio, “um caminho correto
em razão da ampliação da cobertura da previdência complementar nos países que a
adotaram. Já é tempo do Brasil seguir esses bons exemplos!”
“Até a
lei federal que trouxe a inscrição automática para os servidores federais,
em 2015”, diz Ivan Bechara, procurador federal, participante da
Funpresp-Exe e diretor-presidente da RS-Prev, “eu era refratário à ideia de se
prever a inscrição automática em norma infralegal, como a resolução do CNPC.
Entendia que o risco de judicialização pelos participantes automaticamente
inscritos seria alto se a medida não estivesse prevista em lei. Agora, a
Funpresp quebrou o paradigma. O estranho, agora, é não ter inscrição
automática. As pessoas me questionam por quê não temos inscrição automática na
fundação de previdência complementar dos servidores estaduais do Rio Grande do
Sul. Sou favorável à aprovação da resolução proposta pela Abrapp. Ela vai abrir
a possibilidade de cada entidade decidir se quer ou não ter inscrição
automática no plano que administra”.
Ivan prossegue
notando que “diversas pesquisas comprovaram que, em geral, as pessoas resistem
às mudanças. A zona de conforto as induz a ficar onde estão, mesmo que uma
atitude de mudança possa ser positiva. Aqueles que não aderem ao plano de
previdência complementar patrocinado pelo empregador, na maioria dos casos,
agem assim por pura inércia. É o efeito do que se convencionou chamar “viés do
status quo”. A inscrição automática inverte essa psicologia, pois a inércia
passa a agir em sentido contrário: para se desligar do plano de previdência é
que o indivíduo terá de tomar uma atitude concreta. Se nada fizer, ficará
protegido pelo plano. Isto é muito positivo”, conclui Ivan.
Para
José Luiz Guimarães Júnior, da PREVI e integrante da Comissão
Técnica Nacional de Assuntos Jurídicos da Abrapp, estão mais do que claras a constitucionalidade
e legalidade do mecanismo da adesão automática. Por esse motivo, e mais ainda
pelo muito que pode fazer avançar o fomento do sistema, é imprescindível que
venha a ser adotado.
Por sua
vez, Luiz Fernando Brum, Coordenador da Comissão Técnica Nacional de
Assuntos Jurídicos e Gerente Jurídico da ELETRA, começa lembrando que “de
acordo com a primeira lei de Isaac Newton, formulada quando o mesmo fundava a
sua teoria sobre a física mecânica, por inércia um corpo em repouso tende a
continuar em repouso. Inegavelmente, essa lei da física pode ser aplicada
também sobre o comportamento humano. Por inércia, não raramente, adiamos
decisões importantes e, assim, permanecemos acomodados numa situação que
nos foi posta”.
Brum nota em
seguida que “no atual desenho da previdência complementar fechada esse
imobilismo pode custar caro, já que no regime de capitalização o fator tempo de
contribuição tem um peso considerável. Por isso, considero a adesão automática
(também conhecida como inscrição simplificada) altamente positiva, uma vez que
utiliza aquele comportamento de inércia em favor do próprio participante ao lhe
assegurar, de plano, a possibilidade de uma cobertura previdenciária
complementar, via de regra, cofinanciada pelo patrocinador”.
“Registre-se
que essa experiência que, há muito, vem sendo utilizada por diversos países,
não é inédita nem mesmo no Brasil, vez que já adotada, com resultados altamente
satisfatórios, no âmbito das FUNPRESP”, observa.
Brum diz
mais: “Entendo que o referido mecanismo não fere o princípio constitucional da
facultatividade da previdência complementar, tendo em vista que ao participante
continuará sendo assegurado o direito de cancelar, a qualquer momento, a sua
inscrição no plano. Dessa forma, enalteço a iniciativa da ABRAPP, em conjunto
com os demais representantes da sociedade civil no Conselho Nacional de
Previdência Complementar, de submeter, aquele colegiado, a proposta de
regulamentação da inscrição automática, um mecanismo simples, eficiente, legal,
protetivo dos participante e importante para o necessário fomente do nosso
segmento”.
Para bem
contextualizar a questão, a advogada Patricia Linhares, sócia do
escritório Linhares & Advogados Associados, assinala que “há mais de
quinze anos, o psicólogo Daniel Kahneman, teórico de finança comportamental
(behavioural), apresentou um estudo que lhe conferiu o Nobel de Economia –
economia experimental –, no qual demonstrou que a maior parte dos indivíduos
parece ser mais avessa a uma perda de um determinado tamanho do que favorável a
um ganho do mesmo tamanho. A partir desta constatação, diversos artigos
de economistas e especialistas em comportamento ao redor do mundo apresentam a
inércia (ou status quo) como um dos erros de avaliação mais comuns sobre
investimentos – especialmente se as escolhas envolvem alguma medida de renúncia
ao consumo ou risco.
Patricia nota ser
“o que parece acontecer com a decisão de adesão ao fundo de pensão. Mesmo
ciente de que os recursos são destinados ao pagamento de aposentadoria futura
ou de pensão aos seus familiares, de que as contribuições podem significar
diminuição da carga tributária a que está submetido, de que há recursos
revertidos em seu favor pelo empregador – no caso dos planos patrocinados –, o
indivíduo se mantém inerte e não formaliza a sua inscrição”.
A adesão
automática ou presumida busca, portanto, acrescenta Patricia, que “para
além do fomento à poupança previdenciária e desoneração da previdência social,
a criação de uma cultura de decisão individual sobre os investimentos (neste
caso, previdenciários), permitindo-se que, na contramão do comportamento de
inércia, o indivíduo se manifeste sobre o real interesse em se manter vinculado
ao fundo de pensão, ao tomar conhecimento – e experimentar – os seus
benefícios”.
“Para
propiciar segurança regulatória, o CNPC deverá normatizar os parâmetros gerais
para essa importante inovação para o sistema de previdência complementar
brasileiro, tal como já adotado com sucesso em outros países, arremata
Patricia.
Já o
advogado Roberto Messina, do escritório Messina, Martins, Lencioni
e Carvalho Advogados Associados, registra que “como já tive oportunidade de
sustentar, a inscrição automática de empregado ou associado em plano de
previdência privada não conflita com a previsão constitucional da
facultatividade do regime”.
“Em
primeiro lugar”, nota Messina, “porque a facultatividade diz
respeito à instituição do regime, que é prerrogativa do patrocinador ou do
instituidor, quando criam mediante prévio licenciamento da PREVIC (lc 109/01,
art. 33, I e lei 12.154, art. 2º, iIV, “a”). Mas, mais do que isto, excepcionado
o §16 do art. 40 da constituição, em relação à consulta prévia a servidor sobre
querer migrar para o sistema de previdência complementar quando instituído no
âmbito da União, não há regra a determinar consulta prévia ou prévia anuência
para o ingresso no plano, mas sim a compreensão de que a inserção no sistema de
previdência complementar não pode ser obrigatória”.
“Ora,
esta constatação nos leva a considerar que o que importa é identificar a
vontade do empregado ou associado, e esta pode se dar através de vários
mecanismos, dentre eles o da inscrição automática”, sublinha Messina.
Messina observa
ainda que “pela inscrição automática haverá a inclusão do participante como
padrão de procedimento, sendo facultado ao mesmo que opte por sair, caso não
queira permanecer”.
“É um
mecanismo que apenas desloca a manifestação de vontade do participante, no
tempo”, sublinha. E continua: “ Assim também ocorre quanto ao
reconhecimento da cidadania brasileira na Constituição. No art. 12 estão
previstas as formas de aquisição da nacionalidade e de renúncia. Mas o
brasileiro é reconhecido, de logo ao nascer, independentemente de questionar-se
sua vontade. Depois, ao possuir as condições dadas pela Carta Política, pode
renunciar a tal condição”.
Completa Messina:
Esse direito da renúncia a integrar o plano previdenciário está preservado na
proposta encaminhada pela sociedade civil ao CNPC, de modo que não há para se
falar em violação à facultatividade do sistema. E, considerando o benefício que
é a proteção da previdência complementar, na verdade a aprovação desse
mecanismo será um dos melhores aprimoramentos já feitos ao sistema, reduzindo
custos de inclusão e alavancando a educação financeira e previdenciária de que
tanto necessitamos, no País”.
O
advogado Sidnei Cardoso, consultor jurídico de várias entidades e
integrante da Comissão Técnica Nacional de Assuntos Jurídicos da Abrapp, inicia
recordando que “desde a vigência das Leis Complementares 108 e 109/2001 muito
se debateu sobre a previdência privada fechada e o sentimento era de que a
sociedade estava carente de uma cultura previdenciária. No âmbito das
entidades, impulsionadas por campanhas patrocinadas pela Abrapp, houve um
esforço concentrado no sentido de difundir a importância que a adesão ao plano
patrocinado pelo empregador representa na vida do empregado, quer em relação à
sua condição de participante, quer em relação aos seus beneficiários e
dependentes. Porém, justamente por ser um assunto não suficientemente
compreendido, em um País carente de educação financeira e previdenciária,
a percepção era (ainda é) de alguma dificuldade. E, neste momento crucial
e de incertezas que vivemos em relação ao regime geral de previdência social
–INSS-, a possibilidade de aderir a um plano de previdência, em especial
patrocinado, passa a ser uma garantia bem mais promissora do que a angustiante
espera pelos benefícios do INSS”.
Sidnei Cardoso finaliza: “neste sentido, a aprovação de medida que
garanta a adesão automática vem a ser a forma mais recomendável para inserir os
novos empregados na imediata condição de participantes, dando-lhes um tempo
maior para reflexão e avaliação, sem nenhum prejuízo, na medida em que poderão
rever a adesão, se assim desejarem. Será, com certeza, um avanço para o sistema
e para os milhões de brasileiros a mais que estarão seguros com a proteção da
previdência complementar fechada”.
Diário dos Fundos de Pensão