Apesar
de rigor com ricos e servidores, governo corre o risco de repetir erro de Temer
Michel Temer ainda não era um presidente moribundo
quando apresentou sua reforma da Previdência, no fim de 2016. Encenando um
clássico do teatro político, o Planalto incluiu algumas malvadezas no texto, só
para ter o que ceder na hora de negociar com o Congresso. O governo apanhou por
quatro meses, até que decidiu recuar. Já era tarde.
As propostas de Temer que endureciam a concessão de
benefícios a idosos pobres e dificultavam a aposentadoria de trabalhadores
rurais contaminaram o projeto. Embora o presidente tenha aceitado flexibilizar
o texto, a primeira impressão ficou. Poucos deputados toparam mudar de lado
para apoiar o presidente.
Jair Bolsonaro corre o risco de repetir erros do
passado. Incluída na nova reforma, a ideia de pagar menos de meio salário
mínimo a idosos miseráveis antes que eles completem 70 anos é o suficiente para
carimbar o projeto como uma crueldade com famílias de baixa renda.
Ainda que a proposta atual introduza normas austeras para
os mais ricos e para funcionários públicos, os pontos que afetam agricultores e
pessoas que não têm como se sustentar podem interditar o caminho.
A ameaça política da reforma da Previdência envolve
um elemento trivial: o voto. Deputados e senadores retornarão a seus estados no
fim de semana e precisarão dar explicações a suas bases. Muitos serão
massacrados por eleitores mais pobres, furiosos com o endurecimento de
aposentadorias e benefícios sociais.
A pressão será mais intensa no Norte e no Nordeste, que têm 216 das 513
cadeiras da Câmara. Não é preciso ter diploma de Chicago para calcular o peso
desses votos nos 308 necessários para aprovar a reforma.
Bolsonaro
adotou uma estratégia conhecida. Ofereceu um pacote sabidamente rigoroso para medir a
resistência dos parlamentares e, depois, fazer concessões para agradá-los. O
governo, no entanto, pode ter escolhido mal os pedaços de gordura que serão
cortados. Parte dos políticos ficará encurralada antes que esse processo chegue
ao fim.
Bruno Bhogossian, jornal FSP