A gripe espanhola de 1918 não acabou.
Aquele vírus se
tornou a linhagem predominante em humanos e porcos e continua circulando e
matando.
Doenças infecciosas
vão embora?
Essa é uma pergunta que tem outra conotação, onde se promove a
noção de que, se as pessoas se contaminarem com a Covid-19, a doença irá embora
graças à imunidade coletiva.
Estudo vírus há 16 anos e
não conheço um vírus que deixou de circular entre humanos pois infectou todos
os vulneráveis.
A varíola foi uma virose eliminada pela imunização, mas por
meio da vacinação, e depois de matar pelo menos 300 milhões de pessoas no
século 20.
Que fim teve
a pandemia de gripe de 1918? Esse vírus ainda
está entre nós.
O conceito de gripe
é antigo. Há séculos temos surtos de doenças respiratórias que chamamos de
gripe.
Mas só fomos conhecer o vírus influenza em 1931, quando ele foi isolado
de porcos e reconhecido como o causador da gripe de suínos desde 1918.
E em
1933, inspirados pela descoberta, pesquisadores isolaram de humanos um outro
influenza bastante parecido. E conforme outros vírus respiratórios foram
isolados de nós, descobrimos um outro influenza.
Então o vírus humano isolado
em 1933 passou a se chamar Influenza A e o outro, descoberto depois, foi
chamado de Influenza B.
Seu nome mudou de
novo em 1957. Nesse ano, começando pela Ásia, houve uma pandemia de gripe que
varreu o mundo e causou milhares de mortes até ser contida com uma nova vacina.
Comparando o Influenza A de 1956 com o de 1957, descobrimos que o vírus havia trocado
as partes que nosso sistema imune reconhece pelas proteínas de um influenza
aviário. Daí o surto.
Para diferenciar um do outro, o Influenza A que circulou
até 1956 foi chamado de H1N1 –usando as iniciais das
proteínas que mudaram, a Hemaglutinina e a Neuraminidase– e o vírus que tomou
seu lugar em 1957 passou a se chamar Influenza A H2N2.
Em 1968, outro
surto de gripe começou na Ásia e se espalhou pelo mundo.
O vírus H2N2 trocou
partes com outro vírus aviário e deu origem ao H3N2, que se estabeleceu entre
nós desde então. Ainda hoje podemos ficar gripados com o H3N2.
E com o H1N1,
que voltou em 1977 e foi substituído pelo H1N1 da gripe suína de 2009.
Mesmo assim, até
bem recentemente, não sabíamos qual era o vírus causador da pandemia de 1918,
que matou por volta de 7% da humanidade no período.
Por décadas se buscava
encontrar alguém morto em 1918 que tivesse sido enterrado em solo
permanentemente congelado, na esperança de encontrar um pouco de pulmão
preservado com um vírus tão letal.
O que aconteceu em 1995, quando pedaços de
pulmão de corpos preservados no gelo do Alasca e em amostras de tecido em
formol permitiram decifrar o genoma do vírus causador da gripe de 1918 e
compará-lo com os vírus influenza conhecidos.
Era o mesmo Influenza A H1N1
conhecido desde 1933 em humanos.
Ou seja, o vírus
que nos atingiu em 1918 não sumiu. Ele se tornou a linhagem predominante em
humanos e porcos e continuou circulando, mudando e matando até os dias de hoje.
O motivo pelo qual não causa mais tantas mortes como em um século atrás é
provavelmente uma combinação de fatores.
Atualmente, adultos e idosos, os mais
vulneráveis à gripe, já convivem com ela desde a infância e têm imunidade
parcial.
E essa imunidade é atualizada regularmente com vacinas atualizadas que impedem milhares
de mortes.
O influenza não foi
embora nem ficou mais leve; foram as pessoas mais vulneráveis que morreram.
Incentivar
que as pessoas contraiam Covid é passar pelo mesmo tipo de extermínio que
sofremos em 1918.
O mais digno é pular direto para a parte da história em que
as vacinas nos fazem esquecer o quão letal uma nova infecção respiratória pode
ser
FOLHA DE SÃO PAULO