Duas grandes empresas brasileiras foram impactadas por uma grave
crise provocada pela perda de seus fundadores. Em 1994, um acidente de
helicóptero nos Estados Unidos matou Matias Machline, aos 61 anos, presidente
do grupo Sharp. Sete anos mais tarde, o comandante Rolim Amaro, 58 anos,
presidente da TAM Linhas Aéreas, também perdeu a vida numa tragédia aérea com
seu helicóptero, em Mato Grosso do Sul. A ausência repentina colocou à prova a
governança corporativa das duas companhias, que tiveram destinos opostos. Uma
desapareceu com o seu idealizador, enquanto a outra se perpetuou.
“Todas as empresas maduras, sob o ponto de vista da governança,
precisam ter em sua matriz de risco as implicações da ausência precoce de seus
fundadores ou de pessoas-chave”, diz Herbert Steinberg, sócio da Mesa Corporate
Governance. “Não é apenas ter um nome para substituir, mas sim mostrar como a
estratégia da companhia será mantida e como tudo continuará sob controle na
busca pelos resultados.” Aos olhos da governança corporativa, o alto comando da
empresa precisa estar preparado para qualquer tipo de crise, seja ela uma
brusca perda do fundador ou um afastamento repentino por conta de investigações
de corrupção.
Na semana passada, nomes como J&F Investimentos, WTorre,
Gradiente e outros puseram à prova suas práticas de governança. Na
segunda-feira 5, foi deflagrada a Operação Greenfield, que investiga possíveis
fraudes e gestão temerária em aportes realizados pelos fundos de pensão Funcef,
da Caixa Econômica Federal; Petros, da Petrobras; Postalis, dos Correios; e
Previ, do Banco do Brasil, em empresas pré-operacionais ou que promoveram uma
aquisição ou joint venture. A investigação realizada por Polícia Federal,
Ministério Público Federal, Superintendência Nacional de Previdência
Complementar e Comissão de Valores Mobiliários aponta que oito de dez casos
analisados apresentaram avaliações econômico-financeiras irreais, que
superestimavam o valor dos negócios.
Segundo os investigadores, os fundos de pensão pagavam um valor
maior pela participação na empresa e sofriam uma perda desde o início. O
suposto prejuízo chegaria a R$ 8 bilhões.O juiz federal Vallisney de Souza
Oliveira determinou o bloqueio de bens e ativos de 103 pessoas físicas e
jurídicas e ordenou que 40 empresários e executivos, apontados como principais
responsáveis pelas ilegalidades, não entrem nos escritórios dos fundos de
pensão. Entre os nomes listados, há vários ligados, também, à Operação Lava
Jato, como Léo Pinheiro, ex-presidente da empreiteira OAS; e João Carlos de
Medeiros Ferraz e Eduardo Musa, ex-presidente e ex-diretor, respectivamente, da
Sete Brasil, ambos réus confessos do esquema de corrupção na Petrobras.
O magistrado, numa decisão inédita alternativa à prisão
preventiva, ordenou a proibição de qualquer tipo de contato entre os
investigados e vetou o exercício de qualquer atividade vinculada à empresa ou
grupo empresarial. Juristas consultados pela DINHEIRO afirmam que essa punição,
antes do término das investigações, funciona como uma condenação antecipada,
passível de crítica. A medida é drástica e atingiu os empresários Wesley e
Joesley Bastista, sócios da J&F Investimentos. Irmãos, eles não podem se
falar desde a deflagração da Greenfield. Com R$ 174 bilhões em receita líquida
no ano passado e 220 unidades de negócio em todo o mundo, a J&F é dona da
JBS, da Vigor, da Alpargatas e da Eldorado Celulose, entre outros negócios.
Na investigação, o aporte de capital de Funcef e Petros para a
fusão entre a Eldorado e a Florestal está sendo questionado. Em nota, a
companhia informou que o investimento dos fundos de pensão, de R$ 550 milhões
em 2009, foi multiplicado seis vezes e vale hoje cerca de R$ 3 bilhões. “Lamentamos
a forma pela qual a companhia foi exposta. Estamos empenhados para impedir que
isso venha a causar prejuízos a nossos colaboradores, suas famílias, parceiros
e investidores”, diz um trecho da nota. O grupo tem políticas de governança
corporativa específicas para cada um dos negócios, que seguem bem. Mesmo assim,
as empresas da J&F tiveram a imagem arranhada pela decisão provisória.
A JBS, dirigida por Wesley Batista, vem trabalhando, desde maio,
num cronograma de reestruturação societária que prevê a abertura de capital da
JBS Foods International na Bolsa de Nova York (Nyse). A sede da empresa, que
fatura quase US$ 50 bilhões por ano, será mudada para a Irlanda. A percepção do
mercado é que, sem o risco das interferências judiciais e políticas no Brasil,
o valor da empresa, atualmente em US$ 10 bilhões, poderá dobrar. Procurada pela
DINHEIRO, a JBS informou que a decisão continua sub judice e vai aguardar para
se pronunciar.
Na ausência do CEO, o diretor de relações com investidores,
Jeremiah O’Callaghan, tem sido o porta-voz junto ao mercado. “Embora a JBS
esteja amplamente consolidada e tenha todos os atributos de uma empresa
profissionalizada, trata-se de uma companhia familiar e o nome dos Batista
ainda é muito relevante para os investidores”, diz Rafael Ohmachi, analista da
Guide Investimentos. Como acontece com os Batista, os nomes dos empresários
Walter Torre Jr. e Eugênio Staub são indissociáveis de seus negócios. No
entanto, o nível de governança corporativa nas empresas deles é distinto.
Staub, presidente e diretor de relações com investidores da
Gradiente, apontado pela investigação como um dos principais responsáveis por
um esquema criminoso que gerou prejuízo à Funcef, tenta descolar sua imagem da
companhia. Comunicado ao mercado assinado por Moris Arditti, vice-presidente do
conselho de administração, afirma que “a investigação relacionada ao caso não
recai sobre a companhia, apenas à pessoa física”. Na WTorre, o desenvolvimento
de regras de governança corporativa há 10 anos se mostrou válido neste momento.
Não há paralisia da companhia, que é dirigida por Paulo Remy, um experiente
executivo que foi um dos fundadores da Galleazzi & Associados e participou
da transformação de diversas empresas familiares.
Walter Torre, apontado pela investigação como beneficiado num
investimento de um FIP para construção do Estaleiro Rio Grande, ocupa há sete
anos a principal cadeira no conselho de administração e colabora com ideias e
estratégias. Embora esteja longe da execução dos negócios, pessoas próximas à
empresa dizem que o maior impacto é interno. Mesmo com uma comunicação bem
feita e compreendida pelo mercado, o lado emocional dos funcionários tem sido
observado diariamente, sobretudo pela distância e falta de notícias do
fundador.
Exemplo bem-sucedido de aplicação das principais regras da boa
governança, o banco BTG Pactual conseguiu minimizar os prejuízos causados pela
prisão do seu principal sócio, André Esteves, em 25 de novembro do ano passado,
acusado de participar de um esquema de fuga de Nestor Cerveró, o principal
delator do esquema de corrupção na Petrobras. O BTG agiu com rapidez e o
ex-presidente do Banco Central, Persio Arida, assumiu o comando interino e
realizou diversos encontros com investidores. “Os negócios continuam. O Esteves
é a cara do BTG, mas o banco vai além dele.
É uma partnership e vai continuar dessa maneira”, afirmou Arida,
em evento para clientes, no dia seguinte à prisão. Como o caso não teve um
desfecho rápido, Esteves foi oficialmente desligado de todas as funções executivas
e suas ações com direito a voto foram transformadas em preferenciais, como
previam as regras da instituição. “Mudamos a administração, o controle e
tomamos todas as medidas necessárias para assegurar a liquidez da companhia”,
disse Arida, na época, à DINHEIRO. Em abril deste ano, o STF retirou todas as
restrições de Esteves, que voltou às funções no banco.
O BTG também realizou uma investigação própria e não encontrou
indícios de corrupção ou prática de atos ilícitos relacionados à prisão do
ex-presidente. Os processos de governança podem ser aperfeiçoados nos períodos
de crise. No ano passado, a Odebrecht, horas depois da prisão de seu CEO,
Marcelo Odebrecht, na 14ª fase da Lava Jato, anunciou o advogado Newton de
Souza como presidente da holding e enviou uma carta aos clientes, funcionários
e investidores, assinada por Emilio Odebrecht.
A empresa tem implementado melhorias em sua governança e processos
internos. Enquadrou-se na Pró-Ética, uma adoção voluntária de medidas para
promover um ambiente corporativo mais íntegro, ético e transparente, e
comprometeu-se com a ONU a seguir os 10 princípios do Pacto Global sobre
combate à corrupção. Mais relevante, a Odebrecht vem adotando novas práticas de
relacionamento com o setor público. Como dizem os especialistas, governança é
mais que uma tábua na parede, é um processo diário de aprendizado.
IstoÉ Dinheiro