Os fundos de pensão
brasileiros precisam preparar-se para juros em queda, dentro de um contexto de
normalidade econômica. Foi disso que tratou ontem o painel que abriu o segundo
dia do seminário promovido pela Abrapp sobre O Desafio da Gestão de
Investimentos dos Fundos de Pensão, intitulado “Investimentos em Ativos
Reais: Risco ou Oportunidade” e do qual os mais de 250 dirigentes e gestores de
entidades sairam com certeza melhor preparados para quando esse dia de taxas
mais baixas chegar. O private equity ganhou o foco e não faltaram números: de
1994 até hoje esse tipo de ativo rendeu 23% em dólares, o dobro do CDI e do
Ibovespa, adiantou um dos expositores, Renato Abissamra Filho, sócio da Spectra
Investimentos, a partir de pesquisa realizada juntamente com o Insper.
Muitos outros dados a esse respeito foram fornecidos por Abissamra e os outros
expositores.
“Se os juros começarem a
cair, e o dia em que isso vai acontecer não deve estar tão distante assim, os
nossos fundos de pensão vão precisar com certeza estar preparados para isso”,
cuidou de esclarecer o moderador do painel, Ivan Corrêa Fillho, membro
convidado da Comissão Técnica Nacional de Investimentos e
Superintendente-Adjunto da Abrapp, persuadido de que “é nessa direção que
caminhamos”. Tal preparação é ainda mais necessária porque, informou Ivan, as
estatísticas mostram que nada menos de 72% das carteiras das entidades
encontram-se hoje voltadas para a renda fixa, o percentual mais alto em 10 anos
e na maior parte concentrado em NTNs-B.
Um dia vai chegar - “A queda dos juros
é uma realidade que um dia com certeza vai chegar”, sublinhou o primeiro
expositor no painel, Maurício Marcellini, membro da CTN de Investimentos
da Abrapp e Diretor de Investimentos da Funcef, lembrando que taxas substancialmente
mais baixas já fizeram parte - e não há tanto tempo - da realidade brasileira.
Em 2012 a taxa Selic caiu para 7,25% e títulos públicos andaram pagando
rendimentos insuficientes para cobrir sozinhos os compromissos atuariais. Em
resumo, o problema não é novo para muitos gestores e naquele momento a dor de
cabeça não foi pequena, de vez que não se estava preparado para tal. “Se por um
lado não havia preparação, existia ao menos gordura para queimar sob a forma de
superávits acumulados ao longo do tempo”, assinalou Marcellini, comparando a
situação de então com a atual, marcada por déficit.
As entidades ainda têm
tempo à frente para se preparar, mas não indefinidamente: “esse cenário
desafiador deverá se avizinhar em 2017”, cravou Marcellini.
Preparar-se para esse novo
cenário que vai chegar requer, segundo Marcellini, visão de longo prazo,
disciplina e equipes qualificadas, para começar. Afinal, nesse novo
ambiente vai se lidar com escolhas mais complexas, seleção de parceiros nem
sempre experientes em uma indústria nova, empresas muitas delas não listadas na
Bolsa e que atuam em novos segmentos e, como se não bastasse, uma pressão muito
maior para se conseguir criar valor. Enfim, mais virtudes do que as necessárias
quando se trata apenas de adquirir títulos públicos ou ações negociados na
Bovespa.
Começo de ciclo - A Funcef iniciou o seu
ciclo de investimentos em private equity em 2004 e ao longo dos anos chegou a
ter 10% de sua carteira nesse tipo de ativo alternativo. Com o freio na
economia e uma certa perda de atratividade por parte dos ativos reais, a fatia
do private equity nas carteiras dos planos menores reduziu-se e hoje é de cerca
de 4%. Atualmente a entidade trabalha com 40 fundos e 30 diferentes gestores.
Dos investimentos
estruturados, 70% estão associados à infraestrutura e 30% ao private
tradicional, explicou Marcellini, esclarecendo que até o ano de 2014 foi
possivel um retorno acima da meta atuarial. Em 2015, admite, o quadro ficou
mais difícil.
Nesse ponto Marcellini
listou algumas das lições aprendidas nos investimentos em private equity até
agora: cuidado com a ruptura das equipes contratadas, cobrar as
responsabilidades do administrador e estar atento aos limites de
responsabilização do cotista do fundo em participações.
“O administrador não deve
ser alguém escalado apenas para cumprir tabela. É ele quem contrata o gestor e
o custodiante e deve se sentir responsável”, sublinha Marcellini.
Economia real - Piero Minardi,
vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital
(ABVCap), notou que “o private equity oferece um leque amplo de possibilidades
em termos de variedade de setores e localizações geográficas”. Quer dizer,
continuou, “tem a cara da economia real”, mais do que é possível encontrar, por
exemplo, no pregão da Bolsa, mais concentrado em alguns segmentos. Do quadro da
ABVCap fazem parte, hoje, 220 associadas, dos quais 123 gestores e 15
investidores institucionais. Um detalhe: mais da metade do capital comprometido
atualmente é de institucionais, sendo que saúde, educação e varejo respondem
por 60% do que já foi investido.
Outro detalhe, esse de
ainda maior importância: investir em private equity é algo que não costuma trazer
resultados médios. Tudo depende muito das escolhas que levaram ao investimento,
a começar da seleção do gestor. Não chega a ser algo na base do tudo ou nada,
mas as diferenças nas performances podem e costumam ser substanciais.
Nesse sentido, Minardi
explica que “mais do que em qualquer outra classe de ativos, os gestores mais
bem sucedidos podem, na média, entregar resultados 50% superiores aos demais”.
E isso não seria uma particularidade brasileira, é o mesmo no Mundo.
Marcellini, por sua vez,
lembra apenas que a proporção é mais ou menos a seguinte, segundo a experiência
da Funcef: 5 projetos dão pouco ou menhum rendimento, dois ou três trazem
resultados apenas razoáveis e igual número rende de modo a compensar com
vantagem os erros cometidos.
Lado vencedor - “Não é mesmo
fácil ganhar dinheiro com o private equity”, resumiu Renato Abissamra.
Alinhar-se ao lado do gestor vencedor faz uma enorme diferença e, para
conseguir isso, a receita é sempre a mesma: “o investidor deve sempre diversificar
e gastar tempo na escolha do gestor”, orienta Abissamra.
Segundo ele, em 28%
das transações realizadas nos últimos 30 anos o resultado foi não se conseguir
o retorno sequer do capital investido. Mas, em 17% dos casos o investimento
retornou multiplicado por 5. Na média, foram 3,4 vezes. As estatísticas mostram
que os melhores resultados vêm sendo alcançados por investimentos entre R$ 5
milhões e R$ 20 milhões por investidor.
Para os fundos de pensão o
grau de liquidez é sempre um fator importante, ainda mais no caso dos planos
mais maduros. Pois bem, segundo Abissamra, o tempo médio entre a entrada e a
saída do dinheiro vem caindo. Na década de 90, girava em torno de 10 anos.
Entre 2006 e 2014 caiu para algo em torno de 4.
Nos EUA, onde o private
equity mais se desenvolveu em termos de cultura e práticas, os fundos de
pensão chegam a dedicar 7% de suas carteiras a esse tipo de ativo, vendo neles
uma das melhores maneira de investir na economia real, explicou Mary Ellen Aronow,
economista sênior da Hancoock Asset Management, que fez uma ampla exposição
sobre investimentos alternativos, especialmente os voltados para a
agricultura e as florestas plantadas.
Ela previu que o Brasil
deverá ter um razoável caminho a percorrer nesses dois casos, levando em conta
que os salários pagos e o preço da terra ainda são convidativos do ponto de
vista do investidor.
O evento, que teve dois
dias de duração e encerrou-se ontem (17), teve como patrocinadores a Aditus,
BlackRock, Bradesco Asset Management, MSCI, Spectra Investments, Vinci
Partners, Hancock Asset Management Brasil, Venko Investimentos, Patria, Porto
Seguro Investimentos e StepStone .
Diário dos Fundos de Pensão