Hoje me deparei com a pergunta de um jornalista:
“João, você enxerga inconstitucionalidade em quais pontos da reforma
apresentada?”, e isso me fez ler novamente os principais temas tratados e
questionar a constitucionalidade dos mesmos.
Estou certo que este tema exige o estudo
aprofundado pela sua complexidade, e neste artigo existe a omissão de outras
ilegalidades, mas vou expor algumas reflexões para o debate, que irei estudar a
fundo posteriormente cada ponto. Porém, convido os colegas a também buscarem tal
debate, pois muito mais importante que a proliferação de memes engraçados sobre
a reforma, é nossa obrigação discutirmos suas ilegalidades.
A proposta fere direitos fundamentais sociais,
trazendo a extinção da aposentadoria por tempo de contribuição, violando o
direito fundamental à previdência (visto que muitas localidades não possuem
expectativa de sobrevida superior a 60 anos), revoga as regras de transição
impostas pelas emendas constitucionais 20/98 e 41/03, retira proteção
do trabalhador rural e das mulheres, reduz o cálculo dos benefícios… Portanto,
a PEC tem o efeito de abolir direitos e garantias individuais, o que entendo
tornar a proposta inconstitucional (artigo 60, parágrafo 4º,
do texto constitucional).
Alguns pontos específicos:
Viola o direito fundamental à Previdência – O direito à previdência integra o rol dos direitos humanos e é
garantido pelo artigo 6º da Constituição Federalde 1988 e no
artigo 9º do Protocolo de São Salvador (Decreto 3321/99, c/c
artigo 5º, § 2º, da CF/88). A proposta apresentada torna
absurdamente rígidos para os padrões sociais e geográficos brasileiros à
obtenção dos benefícios previdenciários.
Com seu texto ocorrerá a inviabilização do
exercício, configurando ofensa à cláusula pétrea consagrada no
artigo 60, § 4º, IV, da CF/88. O miserável não chegará aos
70 anos para receber o BPC, os professores não terão saúde física e mental para
exercer o magistério até os 60 anos e 30 anos em sala de aula, a trabalhadora
rural não terá saúde física para segurar sua enxada no sol, chuva e poeira até
os 60 anos, existem regiões de periferia em que a expectativa de vida não chega
aos 60 anos… são diversos exemplos que refletem a realidade fática de nosso
Brasil.
Princípio que impede o retrocesso social – Este princípio se ampara em dois nortes: o da dignidade da pessoa
humana e também o da segurança jurídica, que são a base do nosso ordenamento.
O STF reconhece tal princípio (ex: ARE 639337), e
está assentado na Convenção Americana sobre Direitos Humanos de 1969, obrigando
o Estado a preservar os direitos sociais já concretizados. O texto apresentado
traz significativas alterações em nosso ordenamento, tornando extremamente
rígidas as regras de concessão e prejuízos nos cálculos dos benefícios,
deixando de preservar os direitos e garantias individuais, em ofensa à cláusula
pétrea consagrada no artigo 60, § 4º, IV, da CF/88.
Desconsideração da isonomia entre homens e mulheres – A PEC estabelece em aposentadorias rurais e também para professores a
mesma idade mínima para aposentadoria entre homens e mulheres, a PEC confere
tratamento igual aos desiguais e retira o tratamento protetivo conferido às
mulheres pela Constituição Federal de 1988, a ofender a cláusula
pétrea consagrada no artigo 60, § 4º, IV, da CF/88. As
mulheres além de terem cerca de 22,5 % na redução de seus vencimentos se
comparadas com os homens, elas exercem em média 20 horas mensais a mais de
trabalho que eles, em razão dos cuidados com o lar e os filhos.
O governo fere o princípio da isonomia sem trazer
qualquer justificativa técnica plausível, que protege as mulheres por exercerem
uma dupla função e receberem menores salários.
Acumulação de benefícios (ex: aposentadoria mais pensão) e valor proporcional da pensão – A
previsão de não poder acumular integralmente os dois benefícios e também o
valor passar a ser de 50% mais 10% por dependente mas pensões é uma afronta os
princípios da segurança jurídica e da dignidade da pessoa humana, bem como o
princípio do não retrocesso, ao estabelecer que haverá significativa redução
para benefícios adquiridos após longo período de custeio previdenciário de
forma injustificada.
BPC – O pagamento de
um benefício inferior a um salário mínimo é inconstitucional, pois ele é o piso
previsto pela CF (artigo 203).
Regra de transição – A forma proposta na PEC viola a segurança jurídica, onde entendo a
mesma inconstitucional, pois adota um pedágio de 50% apenas para quem está no
prazo de 2 anos para se aposentar, e deveria adotar pedágio proporcional ao
tempo que falta para o segurado. Ela se mostra injusta e não razoável, ferindo
a proteção da confiança (que é elemento da segurança jurídica), uma garantia
individual constitucional expressa no artigo 60, parágrafo
4º, IV da Constituição, para as pessoas que contribuíram por 10,
20 ou até mesmo 30 anos ao ente previdenciário.
Entendo que não considerar o tempo de contribuição
e sim a idade, nas outras duas regras de transição, viola o direito do valor
social do trabalho.
Aumento da alíquota para até 22% (servidores) – Existe a redução nominal do salário, pois tal contribuição é
destinada ao mesmo orçamento que o remunera, e isso é vedado pela
nossa constituição (artigo 7o, VI).
Decadência – a regra
decadencial da nova redação dada ao artigo 103, na parte que dispõe que a decadência
se aplica também aos atos de indeferimento, cessação ou cancelamento de
benefício previdenciário, se mostra inconstitucional pois sua consequência será
impedir o exercício, a qualquer tempo, do direito fundamental ao benefício
previdenciário.
Ocorre neste caso a violação ao direito
constitucional da proteção previdenciária, direito humano e fundamental,
derivado do próprio direito de proteção à dignidade da pessoa . Não se pode
atribuir regime de preclusão temporal aos direitos humanos fundamentais, sendo
estes imprescritíveis.
Deixo aqui 8 pequenas indagações sobre pontos que
enxergo como inconstitucionais na reforma, e espero que o Congresso Nacional
reformule o texto apresentado, pois o retrocesso social e constitucional tende
a abolir o nosso aguardado direito a Previdência.
Dr. João Badari, ABL Advogados