A era da ignorância vem de longe
Código genético da
palavra compra uma passagem para a pré-história
Se é possível que
a ignorância jamais tenha sido tão influente e orgulhosa de si quanto em nosso
tempo, como comprova qualquer breve passeio pelas redes sociais, desfazer nossa ignorância sobre a história da palavra
nos leva longe no passado.
Vamos descobrir
então que o termo que designa o "estado daquele que não tem conhecimento,
cultura, em virtude da falta de estudo, experiência ou prática" (definição
do Houaiss) pertence a uma família linguística nobre, com raízes na pré-história
e descendentes espalhados pelo mundo.
Convém ir com
calma. Ignorância é uma palavra que chegou ao português no século 14, vinda do
latim "ignorantia" (falta de conhecimento, ausência de saber), na
qual o prefixo indica negação.
A quem quiser
saber mais sobre essa fascinante aventura científica, recomendo o livro
"Latim em Pó" (Companhia das Letras), de Caetano Galindo.
No capítulo
"O povo dos cavalos", o autor torna acessível o que é complicado por
natureza —em suas palavras, "a história de como um bando de humanistas,
dotado apenas de livros (...), elaborou um método revolucionário".
O elemento
"gno" é fácil de identificar em outras palavras da língua portuguesa
ligadas à ideia de conhecer, como cognição, prognóstico e diagnóstico —ou de
desconhecer, como incógnita, agnóstico e ignóbil (o que não é nobre; baixo,
vil). Todos esses são vocábulos de credenciais gregas ou romanas.
No entanto, nem
sempre o "gno" se deixa ver tão claramente.
Diante do verbo conhecer
e do substantivo conhecimento, temos que recorrer ao antepassado latino
"cognoscere" (conhecer pelos sentidos) para identificá-lo.
Há casos em que
ele se disfarça ainda mais. Como a grafia "gnoscere" (conhecer) caiu
em desuso no latim clássico, substituída por "noscere", muitos
descendentes do velho "gno" passaram a circular incógnitos por aí.
É o caso, por
exemplo, de nobre (de "nobilis", conhecido, ilustre), notícia e noção
—sim, essa mesma noção que anda rara no mercado.
Artigo
de Sérgio Rodrigues, jornal FSP
FOLHA DE SÃO PAULO