Bolsonaro promove
nova Previdência apesar do seu reacionarismo, não em razão dele
A proposta de reforma da Previdência é boa. O governo é
ruim. Não se trata de ser sentencioso sobre o futuro —que só pertence a Deus,
como dizem, porque a ninguém foi dado o dom da predição. A coitada da
Cassandra, que recebeu esse presente literalmente de grego, conseguia, sim,
enxergar o amanhã, mas ninguém acreditava nela, daí que fosse vítima de uma
maldição, não de um privilégio. Cassandra evidencia que é preferível —e até
mais rentável— ser um otimista abobalhado a um realista incômodo.
Na sexta passada
(15), lembrei aqui o poeta Constantino Kaváfis e o texto "À Espera dos
Bárbaros" —aqueles que chegariam para responder a todas as
irresoluções dos romanos. Assim estamos nós com a reforma da Previdência. A
mudança passou a ser uma condição necessária para o país ambicionar um outro
padrão e um outro patamar de desenvolvimento, com mais inclusão e equidade
social. Mas ela está longe de ser uma condição suficiente.
É mentirosa a
inferência de que todas as nossas iniquidades derivem das injustiças
previdenciárias, que são flagrantes, ainda que o modelo em curso possa ser
acusado de tudo, menos de justo.
A boa
resposta não está em atacar a mudança com o intuito de conter a vanguarda do
retrocesso. Isso seria uma burrice. O sensato é reconhecer o seu domínio
autônomo —e essencialmente justo—, impedindo que a reforma necessária se
confunda com a pauta que pretende transformar a escola em delegacia de polícia;
que defende que um homem seja um homem e sua arma; que reivindica para as
forças de segurança a licença para matar.
Nesse
caso, refiro-me explicitamente ao "Pacote Moro", o Bolsonaro mais ou
menos letrado —menos do que dá a entender, como revela o seu estoque
gramatical—, cuja palavra ainda gera assentimentos reverentes de setores que,
no entanto, veem no presidente, o que é verdade, a encarnação do atraso.
Temos uma proposta
boa de reforma e um governo ruim. Porque ela é boa, não deveria ser
desfigurada. Porque ele é ruim, não deve ser poupado.
Reinaldo Azevedo, jornal FSP