Como não chegar bem aos 100.
Na
pandemia, Brasil seguiu receita para queda da expectativa de vida da população.
Artigo
do Dr. Alexandre Kalache apontando que a expectativa
de vida ao nascer do brasileiro entraria em queda em 2020 em função da
pandemia.
Com dados mais recentes, de 2021, um estudo liderado por Marcia Castro, professora titular da Escola de Saúde Pública da
Universidade Harvard (EUA), confirma o que Camarano já previa.
Na realidade,
a queda será mais forte neste ano.
Assim, o
assinalado em 2020 não era algo pontual.
Como não chegar bem aos 100 no contexto de uma
pandemia? Simples:
- Não respeite a ciência.
Ignore o que a OMS (Organização Mundial da Saúde) preconiza;
- Estimule aglomerações, de
preferência sem o uso de máscaras. Se as utilizar,
que só cubram a boca, nariz foi feito para respirar —até onde seja
possível;
- Promova o uso de medicamentos comprovadamente ineficazes,
que dão ao usuário a sensação de estarem protegidos. Os antimaláricos e os
contra piolhos, essenciais;
- Trate a Covid como uma gripezinha. Se for um ex-atleta,
esqueça o Major Olímpio, entre tantos outros;
- Gaste mal os recursos já tão
escassos, começando por oxigênio e respiradores;
- Interrompa o auxílio
emergencial e demore quatro meses para reiniciar outro, bem baixinho, o que
levará milhões ao desespero. Entre eles, os desempregados, as mulheres que
cuidam de quem precisa e não têm renda, e os jovens que nem trabalham nem
estudam;
- Se não for suficiente, aumente a insegurança alimentar com
uma boa dose de inflação de alimentos. Claro, isso em um país que se ufana
da produção recorde de comida para o mundo. Como a fome tem pressa, mais
da metade da população brasileira ficará apressada, sem falar dos 20
milhões que não vão almoçar nem jantar;
- Faça vista grossa aos que
roubam equipamentos hospitalares ou constroem unidades de campanha para logo serem desmontadas –já
cumpriram sua missão, a de facilitar a corrupção ceifando vidas;
- Permita que o sistema de
saúde, público e privado, entre em colapso, o que contribuirá para
que não se morra só de Covid-19; também haverá complicações de outras
enfermidades, reforçando a queda da expectativa de vida:
- Finalmente, celebre, celebre muito. Afinal, não
somos o país da alegria? Despencamos 12 pontos no ranking global de
felicidade, mas isso é outra história. Celebrem, dos bailes funk da
periferia às festas clandestinas nos Jardins ou no Alto Leblon. Ou nas
festanças em Brasília. Afinal, são os seguranças, faxineiros e serviçais
que morrerão em maior número depois de levar o coronavírus para suas
casas.
Alexandre Kalache - médico gerontólogo,
presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)
FOLHA DE SÃO PAULO