Os segurados do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão
enfrentando uma série de dificuldades e obstáculos para o acesso e manutenção
de diversos benefícios previdenciários. De acordo com especialistas, a
autarquia previdenciária está utilizando uma alternativa ilegal para realizar o
corte automático do auxílio-doença: a chamada alta programada.
De acordo com a advogada de Direito Previdenciário Fabiana Cagnoto
a alta programada é o procedimento no qual o INSS, ao conceder o benefício de
auxílio-doença previdenciário ou acidentário, já fixa previamente a data do fim
do benefício. “E essa cessação ocorrerá sem a realização de nova perícia, ou
seja, o término do benefício já é previsto no momento da concessão”, afirma.
Segundo os especialistas, o principal problema da alta programada do
INSS é a falta de critério. “O INSS aplica a alta programada para diversos
casos de incapacidade provisória. E isso é muito preocupante, pois ela é
utilizada da mesma forma em casos de doenças psíquicas, como depressão, e para
fraturas, por exemplo”, alerta a advogada previdenciária Simone Lopes.
Justiça considera ilegal
O Poder Judiciário tem uma visão consolidada de que a alta programada é
ilegal. Recentes decisões da Justiça Federal e do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) consideraram que é indevida a fixação de prazo final para o encerramento
de auxílio-doença por meio de decisão do Judiciário. De acordo com juízes da
Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e ministros do
STJ, para que ocorra o fim do auxílio o segurado do INSS deverá se submeter a
uma nova perícia médica para que seja comprovada a cessação da incapacidade.
Segundo os magistrados, o artigo 62, da Lei 8.213/91, Lei da Previdência
Social, dispõe que não cessará o benefício até que o segurado seja dado como
habilitado para o desempenho de nova atividade que lhe garanta a subsistência.
No caso do STJ, o recurso julgado foi interposto pelo INSS contra
acórdão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que entendeu que a
cessação do auxílio-doença deve ser obrigatoriamente precedida de perícia
médica, em vez de ocorrer em data presumida pela autarquia como sendo a da
reabilitação do segurado.
Para o INSS, a decisão da Justiça Federal havia violado o artigo 78,
parágrafo 1º, do Decreto 3.048/99, que estabelece que a autarquia poderá fixar,
mediante avaliação pericial ou com base na documentação médica do segurado, o
prazo que entender suficiente para a recuperação da capacidade para o trabalho.
Porém, o ministro do STJ Sérgio Kukina negou o recurso do INSS e
reconheceu que a alta programada constitui ofensa à Lei da Previdência Social,
que determina que o benefício seja mantido até que o segurado seja considerado
reabilitado para o exercer suas atividades de trabalho. “A cessação de
benefício previdenciário por incapacidade pressupõe prévia avaliação médica,
sendo imprescindível, no caso concreto, que o INSS realize nova perícia, em
ordem que o segurado retorne às atividades habituais apenas quando efetivamente
constatada a restauração de sua capacidade laborativa”, votou o ministro.
Para o advogado João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e
Luchin Sociedade de Advogados, as decisões do Judiciário em afastar a alta
programada são corretas, pois não existe maneira de fixar um critério objetivo
de tempo para cada doença.
A principal polêmica, segundo os especialistas, é prever um prazo
inferior de recuperação ao segurado, onde ele terá que voltar a trabalhar
incapaz e fazendo com isso que sua incapacidade se torne mais grave, ou ter que
ficar sem receber e não poder alimentar sua família.
“A alta programada fere frontalmente a dignidade da pessoa humana, pois
determina um prazo máximo de 120 dias para a recuperação. Como prever que, por
exemplo, que em três ou quatro meses um trabalhador acometido por depressão
estará recuperado e amplamente capaz de retornar ao trabalho? As pessoas são
diferentes, seja no sexo, na idade, na condição social, dentre outros tantos
motivos e características que influenciam em sua recuperação”, observa Badari.
Em razão de tantos fatores subjetivos, a perícia médica é fundamental
para se constatar ou não a recuperação do segurado.
“Somente com a realização de exames e com o laudo médico é que o INSS
pode determinar se o trabalhador está apto ao retorno profissional ou deve
ainda deve ficar afastado, recebendo o auxílio-doença até que uma nova perícia
seja agendada”, destaca o advogado.
Fim da alta programada avança no Congresso
E alta programada também poderá ser extinta no Legislativo. A Comissão
de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados aprovou
recentemente uma proposta que garante ao segurado da Previdência Social o
direito de requerer nova perícia médica sempre que o primeiro laudo determinar
um prazo para a volta ao trabalho. Pelo texto aprovado, o segurado continuará a
ter direito ao benefício do auxílio-doença no período entre o pedido de nova
perícia médica e a sua realização.
A proposta é do deputado Vicentinho (PT-SP) ao Projeto de Lei 2221/11,
do Senado. “Esse sistema é injusto, pois pode vedar o recebimento de benefício
pelo segurado que ainda permaneça incapacitado para o trabalho. Assim, o
cancelamento do benefício deverá ser necessariamente precedido de perícia
médica”, explica o parlamentar. Segundo ele, o Judiciário vem se posicionando
sistematicamente contra essa regra desfavorável aos segurados.
Caso o projeto seja aprovado, o trabalhador e segurado do INSS não
poderá voltar ao trabalho sem antes realizar uma nova perícia para confirmar
que, de fato, ele está em condições de retomar suas atividades profissionais. O
texto será analisado ainda, em caráter conclusivo, pelas comissões de Finanças
e Tributação e de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara.
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