INFLAÇÃO 2


Inflação não reflete consumo durante a pandemia.

Demora na atualização da cesta de produtos faz com que índice de preços não capte novos comportamentos.

Menos restaurantes, menos viagens, mais refeições em casa. E nessas refeições, menos carnes, mais ovos. 

As mudanças de comportamento nos últimos 15 meses de pandemia alteraram os hábitos de compras das famílias e a estrutura das despesas. 

Para o cálculo da inflação oficial, porém, nada mudou, e tampouco há previsão de atualização em breve.

Esse descolamento entre os componentes da inflação e a composição de gastos na vida real tem relação com o modelo adotado pelo Brasil para a realização da atualização.

Na prática, não quer dizer que os índices oficiais, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) e o INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), estariam maiores ou menores se a pesquisa que embasa a cesta de produtos fosse atualizada em intervalos menores. 

No entanto, a falta de sincronia sinaliza que os indicadores podem não expressar como as famílias sentem —ou não— a alta dos preços.

“Sem atualização por muito tempo, acaba criando mesmo uma distorção”, diz André Braz, coordenador de índices de preços do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Na avaliação do pesquisador, neste momento, a diferença de pesos na cesta de produtores aparece com mais força no INPC, que é calculado considerando famílias com renda entre um e cinco salários mínimos.

A avaliação é a de que os alimentos deveriam ter um peso ainda maior agora. “Os alimentos subiram barbaramente. Essa já é uma despesa que sempre pesa para essa faixa, mas hoje está pesando ainda mais”, afirma.

Por outro lado, despesas decorrentes da adoção de home office têm peso menor entre os que ganham menos, mas poderiam aparecer com maior importância no IPCA, que calcula a inflação entre as famílias com renda de até 40 salários mínimos.

“O home office reduz o uso do transporte público e da gasolina e aumentam as refeições feitas em casa. Aumentam também gastos com serviços de comunicação e com celular”.

Além disso, diz o economista, falta um monitor para as substituições. “Se uma fruta fica muito cara, a gente substitui ou deixa de comprar, mas, mesmo assim, ela ganha peso no indicador da inflação”, afirma.

A estimativa do pesquisador é a de que a experiência de inflação “do mundo real” se diferencie daquela apurada pelos órgãos oficiais em 0,89 ponto percentual em apenas um mês.

No Brasil, a realização com mais frequência da pesquisa de orçamento chegou a ser cogitada, mas o projeto não andou. 

Atualmente, o IBGE enfrenta cortes orçamentários que cancelaram até mesmo o censo, uma das pesquisas oficiais mais importantes para balizar políticas públicas.



FOLHA DE SÃO PAULO
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