Em ruas e
avenidas das principais cidades do País, caixões, cruzes e covas fictícios
foram usados como símbolos de milhares de manifestantes contrários à reforma da
Previdência no ato nacional de quarta-feira 14. No Congresso Nacional, o
protesto se traduziu em quase 150 emendas apresentadas ao projeto original ao
longo da semana. Ambos os eventos corroboraram o caráter impopular da revisão
proposta no sistema de aposentadorias, indicando um caminho longo e espinhoso
até a aprovação final no Legislativo.
Na
esteira do debate e das resistências em torno do texto, um grupo de
governadores decidiu se antecipar e ajustar as previdências locais antes da
reforma se tornar lei. Tudo para garantir a saúde das contas públicas e acabar
com desequilíbrios históricos nos regimes de aposentadorias. Ao menos dez
Estados se mobilizaram para aumentar as alíquotas de contribuição dos
funcionários públicos nos últimos meses, combinando os reajustes com uma
contrapartida patronal. Afinal, se nada for feito, as aposentadorias é que
podem ser enterradas dentro de um caixão. A mudança, em si, não resolve a questão
estrutural, mas contribui para aliviar uma das principais pressões sobre os
caixas regionais em meio à recessão histórica.
O déficit
das aposentadorias estaduais é o que mais cresce na esfera pública: passou de
R$ 31,3 bilhões, em 2011, para R$ 89,6 bilhões, no ano passado. O número
representa 74% do rombo total no sistema público em 2016, de R$ 121 bilhões. A
rede compreende cerca de 10 milhões de servidores (4,7 milhões nos Estados,
sendo pouco mais de 2 milhões inativos atualmente). Como comparação, o Regime
Geral da Previdência Social (RGPS), que reúne as aposentadorias do setor
privado, conta 33,5 milhões de beneficiários e encerrou o ano passado com um
déficit de R$ 151,9 bilhões.
A crise
reduziu a arrecadação e escancarou o desequilíbrio nas aposentadorias. No Rio
de Janeiro e no Rio Grande do Sul, a conta está tão pesada que compromete a
prestação de serviços públicos. Faltam recursos para honrar os salários dos
servidores. No caso fluminense, onde a principal fonte de receita eram os royalties
do petróleo, a expectativa é que o rombo chegue a R$ 13 bilhões, ou cerca de
65% do déficit total em 2017. O governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) foi o
primeiro a buscar a adesão ao programa de recuperação fiscal do Ministério da
Fazenda.
As
contrapartidas exigidas para acessar o socorro federal incluem o ajuste na
previdência, com a elevação da alíquota de contribuição de servidores de 11%
para 14%. Assim como o Rio de Janeiro, o governo gaúcho decretou estado de
calamidade financeira e é o próximo na fila da recuperação fiscal. O ajuste no
sistema local de aposentadorias foi aprovado no final do ano passado, com
aumento da alíquota para 14% e a criação de um teto para as pensões. No grupo
dos mais afogados, apenas Minas Gerais ainda não alterou o percentual de
desconto dos funcionários públicos, que permanece em 11%.
Num
encontro com o presidente Michel Temer, no final do ano passado, governadores
firmaram um pacto informal para avançar com o aumento das contribuições
previdenciárias. A medida chegou a ser incluída como contrapartida no projeto
de renegociação das dívidas estaduais com a União, mas foi retirada no
Congresso. Mesmo sem a exigência formal, algumas administrações enxergaram a
mudança como necessária para o equilíbrio das contas públicas no longo prazo.
Goiás, Piauí e Ceará aprovaram o aumento das alíquotas no ano passado. Rio
Grande do Norte e Amazonas enviaram leis prevendo as revisões para os
Legislativos, enquanto Tocantins e Mato Grosso estudam fazer o mesmo.
“Havia um
compromisso de fazer a mudança. A gente se antecipou e fez no ano passado”,
afirma Rafael Fonteles, secretário de Finanças do Piauí. Para compensar o
impacto aos servidores e reduzir a resistência política, o Executivo propôs, ao
mesmo tempo, um aumento salarial à categoria. O Estado é administrado por
Wellington Dias, do PT, partido que faz oposição à reforma da Previdência no
Congresso. Fonteles reconhece o desgaste político, mas reitera a necessidade de
resolver o principal problema financeiro do Estado e melhorar a relação com o
governo federal para obtenção de crédito.
“Claro
que existe a questão política, mas se eu já havia me comprometido publicamente,
o prejuízo político já havia acontecido.” O Estado, que também aprovou um teto
para os gastos, espera economizar cerca de R$ 100 milhões com o reajuste, o que
evitará que o déficit previdenciário, estimado em pouco mais de R$ 800 milhões,
alcance a casa do bilhão. O governo cearense estima uma economia semelhante
com o reajuste aprovado em dezembro. Os R$ 120 milhões representam cerca de 10%
do déficit de 2016 (R$ 1,3 bilhão). No Estado, o ajuste das aposentadorias
incluiu ainda uma redução de 10% no benefício fiscal das empresas, com
potencial de adicionar mais R$ 130 milhões nas receitas previdenciárias.
Somado ao
teto dos gastos, que também já foi aprovado, as mudanças buscam abrir mais
espaço para investimentos. “Os Estados tiveram um aumento de despesa
previdenciária muito significativo nos últimos anos”, afirma Mauro Benevides
Filho, secretário de Fazenda do Ceará. Segundo ele, governadores que não
alterarem as alíquotas correm o risco de enfrentar dificuldades de pagamento no
futuro. “Quem estiver com medo de fazer agora, deve saber que terá de fazê-lo
mais cedo ou mais tarde.” O que está em xeque é o espaço político para aprovar
tema tão impopular nas assembleias legislativas.
No
Amazonas, por exemplo, o Executivo chegou a enviar a proposta de ajuste para a
assembleia, mas os deputados avaliaram que seria melhor esperar a aprovação da
reforma da Previdência. “A situação não é tão dramática”, afirma o deptuado
Sidney Leite (Pros). “Votada a reforma no Congresso, aí teremos as coisas mais
claras.” Para o secretário da Fazenda do Mato Grosso, Gustavo de Oliveira, a
elevação das alíquotas para 14% é uma tendência que depende apenas da
viabilidade de negociação com o Parlamento. A medida está em estudo no Estado.
“O ideal seria tomar a decisão depois da reforma, mas também não podemos
esperar.” O déficit previdenciário está em torno de R$ 700 milhões. “Uma alíquota
mais alta não resolve, mas alivia.”
A
movimentação não se restringe aos Estados. O pacote de ajustes enviado pela
prefeitura de Florianópolis à Câmara de Vereadores no início do ano previa uma
mudança na contribuição dos servidores. A medida, que traria um alívio de R$
400 mil aos cofres públicos, saiu de pauta, mas deve voltar em breve. O patamar
de 14% de contribuição dos servidores é visto como um novo padrão na
administração pública diante do desafio demográfico. Trata-se de um limite
estabelecido por jurisprudência da Justiça. Não há impedimento legal, porém,
para contribuições adicionais temporárias, como a proposta no Rio de Janeiro.
Apesar
dos avanços locais, é a reforma da Previdência no Congresso que deve fazer a
maior diferença nas contas regionais. O texto acaba com o benefício antecipado
para professores, que tem grande peso na folhas estaduais, além de prolongar o
período de contribuição e diminuir o tempo de usufruto dos benefícios, ao
estabelecer a idade mínima de 65 anos, igualando homens e mulheres. Além disso,
exige que municípios e Estados criem, em até dois anos, fundos de previdência
complementar, fechando a brecha para que servidores possam se aposentar
ganhando acima do teto do INSS, de R$ 5.531,31.
Embora
haja previsão legal, apenas sete Estados já criaram fundos complementares. Isso
significa que, no conjunto dos cerca de 2.000 municípios e Estados que têm
previdência própria, há espaço para benefícios acima do teto. Na esfera
federal, a equiparação ao INSS foi feita em 2013. À medida em que avança no
Congresso, a reforma é cada vez mais alvo de resistência. Uma mobilização
nacional de sindicatos e movimentos sociais interrompeu os transportes públicos
na quarta-feira 14. Na avenida Paulista, em São Paulo, o ato reuniu cerca de
200 mil pessoas, segundo os organizadores, e contou com a presença do
ex-presidente Lula.
Ao longo
da semana, parlamentares tentavam alterar as regras do texto original. Quase
150 emendas já haviam sido apresentadas até meados da semana. O tema principal
era a aposentadoria rural e as regras para professores, incluindo um
abrandamento na regra de transição. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles,
avançava no corpo a corpo com parlamentares e minimizava as alterações. Para
ele, o número de emendas ficou adequado. “Cada um que tinha alguma coisa a
emendar, apresentou a proposta”, afirmou Meirelles na quinta-feira 15. “Acho
que compete agora à Câmara discutir isso.”
Na batalha da reforma, a equipe econômica dá ênfase à
necessidade de controlar os gastos para evitar um aumento de carga tributária
de até 10 pontos percentuais do PIB até 2060. “A sociedade vai ter de entender:
ou se é a favor da reforma ou vai ter de arcar com aumento da carga
tributária”, afirma Rogério Nagamine, do Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea). O pesquisador alerta para o risco de desfiguração dos efeitos
da reforma caso emendas como as que estabelecem idade mínima de 60 anos para
homens e 58 para mulheres sejam aprovadas. “A idade mínima não pode ser
flexibilizada.” O governo tem pressa, mas já vê como normal algum atraso para a
aprovação do projeto no Congresso Nacional.
IstoÉ Dinheiro