Mistérios e conflitos da reforma


Projeto da Previdência permite alterar valor e reajuste futuros de benefícios.  O que sair por uma porta tem de entrar pela outra, diz o governo sobre as possíveis mudanças em seu projeto de reforma da Previdência. Isto é, se o Congresso fizer emendas que diminuam a contenção de despesas em um item, teria de haver alguma compensação.

Em tese, parece óbvio, esperado e compreensível. Na prática, haverá problemas grandes.
Primeiro, ainda não temos como estimar a contenção de despesas que resultaria da reforma Bolsonaro-Guedes.  Segundo, pelo andar da carruagem, a compensação teria de vir das aposentadorias, das pensões e dos demais benefícios do INSS, por assim dizer (do Regime Geral de Previdência Social, que cobre trabalhadores do setor privado).

O governo apresentou estimativas genéricas de contenção de despesas com o RGPS, com os servidores, com os benefícios para idosos muito pobres (BPC) e com o abono salarial. Mais não disse ou especificou.
Por exemplo, interessa saber quanto seria poupado com o talho nas pensões por morte, item que costuma periclitar nas reformas. Mas o problema maior nem está aí. O projeto Bolsonaro-Guedes tira da Constituição normas relativas ao cálculo de valores dos benefícios previdenciários e assistenciais, entre outras. A emenda constitucional da reforma da Previdência determina que uma lei complementar vai tratar dos valores mínimo e máximo dos benefícios, do modo de calculá-los inicialmente e suas fórmulas de reajuste, como já se escreveu por aqui, nestas colunas.

A manutenção do valor real dos benefícios está prevista em dois artigos da Constituição (para os servidores e para o RGPS). Ou seja, deixar de corrigir o valor dos benefícios pelo menos pela taxa de inflação atualmente é inconstitucional. Com a reforma, não mais. Permaneceria na Constituição apenas o valor do piso dos benefícios, de um salário mínimo. Por falar nisso, não sabemos qual será a nova regra de reajuste do mínimo, que tem de ser definida até abril. Mais um impedimento relevante para fazer uma conta precisa das despesas previdenciárias.

É fácil perceber que, se não temos como projetar o valor futuro dos benefícios, que depende de leis a serem aprovadas, não temos como estimar o potencial de contenção de despesas.

O segundo problema é mais político do que aritmético ou contábil. Caso não sejam aprovados itens da reforma, quem pagará a conta? Por exemplo, os servidores querem derrubar as novas alíquotas de contribuição, o que não tem impacto fiscal lá relevante. Parlamentares querem barrar mudanças em aposentadorias de professores e policiais, por exemplo. A conta já fica maior.

O Congresso dificilmente vai aprovar cortes nos benefícios para idosos muito pobres, cortes que redundariam em contenção de despesas de centena de bilhão de reais, uns 10% da reforma Bolsonaro-Guedes. Além do mais, deve haver emendas nas propostas que dificultam a aposentadoria de trabalhadores rurais. Mudanças em pensões por morte, benefícios assistenciais ou rurais e aposentadorias de servidores públicos foram os itens que mais apanharam na reforma de Michel Temer, convém lembrar. Caso o governo reafirme a intenção de manter o total estimado de contenção de despesas, a compensação teria de vir pelo arrocho dos benefícios previdenciários do RGPS dito "urbano", que conta com a maior clientela, o maior número de beneficiários.

Qual seria a saída? Aumentar a idade mínima? Criar mecanismos que diminuam o valor dos benefícios?

 



Vinicius Torres Freire
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