De
segunda a sexta-feira, os 56 mil carteiros passam nas 31,5 mil agências ou
caixas de coleta dos Correios, coletam até dez quilos de cartas e pacotes cada
um e, com chuva ou sol, caminham um total de 397 mil quilômetros, o equivalente
a dez voltas ao redor da Terra. Desde abril do ano passado, porém, seus
salários ficaram mais magros devido à contribuição extra ao Postalis, o fundo
de pensão dos Correios. Além dos descontos habituais, eles têm de pagar 17% dos
R$ 1.000 que ganham, em média, para ajudar a cobrir o rombo de R$ 5,6 bilhões
que o Postalis registrou no ano passado. Os aposentados estão em uma situação
ainda pior: a mordida é de 26%. Esse desconto vai valer pelos próximos 15 anos.
Esse não
é o começo da história, e sim o reflexo de uma disputa entre o Postalis e o
banco americano BNY Mellon. Em 2011, o banco passou a ser o administrador
fiduciário exclusivo dos fundos do Postalis. Segundo a fundação, para fazer
isso, o banco recebia R$ 60 milhões ao ano. Na prática, entre outras
obrigações, o BNY Mellon tinha de fiscalizar o cumprimento do regulamento dos
fundos nos quais o Postalis aplicava os recursos da previdência dos
funcionários dos Correios. Asseguravam, por exemplo, se os gestores contratados
estavam respeitando as alocações determinadas pela política de investimentos da
Postalis. Segundo o advogado e economista André Motta, que assumiu a
presidência da Postalis em julho deste ano, o contrato estabelecia que o BNY
Mellon ficaria responsável por indenizar o Postalis em caso de não-conformidade
das aplicações. O pior aconteceu, claro, e levou a uma disputa jurídica, em
agosto de 2014. Em um dos fundos, o gestor trocou títulos da dívida brasileira
no exterior - que, segundo Motta, teriam de somar 80% da carteira - por títulos
estruturados da Venezuela e por outros ligados à dívida da Argentina. Títulos
estruturados são investimentos bem mais arriscados do que títulos soberanos. E,
como a Argentina deixou de pagar essa dívida, em 2014, esses papéis perderam
65% de seu valor, contribuindo para o déficit bilionário do Postalis. A gestora
desse fundo, a Atlântica Administração de Recursos, e seu responsável, Fabrizio
Neves, também estão sendo processados pela Postalis. A Atlântica fechou as
portas. Neves não foi localizado pela DINHEIRO.
A
Postalis cobra perdas de R$ 2,429 bilhões do BNY Mellon. "Não quero saber
de quem foi a culpa. Isso não é problema meu. Mas é meu dever cobrar o
ressarcimento de quem assinou o contrato", afirma André Motta. Atualmente,
segundo ele, cinco ações contra o BNY Mellon tramitam na Justiça. Mas a
fundação de previdência dos Correios e o banco ainda mantêm relações. Cinco
fundos sob administração do BNY Mellon estão sendo geridos pela ARX
Investimentos, uma empresa do grupo BNY Mellon. "Não podemos tirar os
recursos de lá enquanto a pendência não for resolvida ou haveria quebra de
contrato", explica Motta. Procurado, o Banco Central disse que não poderia
comentar o caso. A Comissão de Valores Mobiliários também não se manifestou.
A
história também se refletiu no prédio espelhado com inspiração neo-clássica
onde fica o escritório do BNY Mellon em São Paulo. Três diretores e o então
presidente, Zeca Oliveira, foram afastados em outubro de 2013. Adriano Koelle,
novo CEO, e Carlos Augusto Salamonde, diretor de Asset Servicing, foram
nomeados após a intervenção de executivos americanos que vieram ao País só para
entender o que estava acontecendo na subsidiária brasileira.
Koelle e
Salamonde dizem discordar das acusações do Postalis e repetem que a tomada de
decisão do investimento não era da alçada do banco. "A ata do Postalis
afirma que era deles a escolha dos investimentos. O BNY Mellon apenas executava
a estratégia", diz Salamonde. Em depoimento à CPI dos Fundos de Pensão na
Câmara dos Deputados, em setembro de 2015, Koelle disse não ter encontrado
indícios de irregularidade na gestão anterior. À DINHEIRO, o CEO apenas
comentou que o assunto é hoje um "litígio".
Embora o
banco não reconheça a culpa, sua imagem saiu arranhada do episódio. A nova
diretoria afirma ter promovido uma limpeza geral no negócio, deixando de atuar
em áreas como a administração de Fundo de Investimento em Direitos Creditórios
(FIDCs) e Fundos de Investimentos em Participações (FIPS), que geraram o
litígio. Trocaram funcionários, reduziram a base de clientes e adotaram uma
nova política de compliance (aderência às regras).
Com 1.700
fundos sob custódia no Brasil, o BNY Mellon administra R$ 161 bilhões em
recursos e tem ativos de R$ 90 bilhões sob custódia. Para crescer, o banco
aposta em novos serviços. "Estamos desenvolvendo uma plataforma para
tornar mais rápido o aluguel de ações e outra para investimentos no
exterior", diz Salomonde.
IstoÉ