Os valores de benefícios de previdência
complementar recebidos de boa-fé, quando pagos indevidamente pela entidade de
previdência privada em razão de interpretação equivocada ou de má aplicação de
norma do regulamento, não estão sujeitos à devolução, pois se cria expectativa
de que tais verbas alimentares eram legítimas.
O entendimento é da 3ª Turma do Superior Tribunal
de Justiça, em julgamento de Recurso Especial interposto por entidade de previdência
complementar que foi condenada a devolver valores descontados de beneficiários.
O caso aconteceu a partir da revisão da renda
mensal inicial de aposentadorias dos beneficiários, feita pelo Instituto
Nacional do Seguro Social em 1992. Como o valor dos proventos aumentou, os
benefícios suplementares correspondentes deveriam sofrer redução, por força de
norma estatutária, mas a entidade de previdência privada só ajustou as
aposentadorias complementares em dezembro de 1994, promovendo o desconto das diferenças
pagas indevidamente.
Os beneficiários ajuizaram ação declaratória de
nulidade de desconto em previdência suplementar cumulada com repetição de
indébito.
Devolução integral
A sentença, por entender ilegais os descontos dos
valores nos benefícios dos autores e a sua apuração unilateral, bem como ante o
seu caráter alimentar, e considerando ainda a expectativa do titular quanto ao
recebimento de um valor já anteriormente conhecido e que passou a integrar o
seu padrão financeiro, determinou a devolução dos valores descontados. A
decisão foi mantida na apelação.
No STJ, a entidade alegou que, “se no regime da
previdência social pública é permitido ao INSS proceder ao desconto de parcelas
pagas a maior ao beneficiário, nos termos do artigo 115, II, da Lei 8.213/91, e
se a legislação especial da recorrente — Lei 6.435/77 — determina em seu artigo
36 a aplicação subsidiária daquela outra, vislumbra-se que os descontos dos
valores diretamente na suplementação do recorrido serão legais e legítimos”.
Boa-fé
A argumentação, entretanto, não convenceu o
relator, ministro Villas Bôas Cueva. Ele citou o entendimento já pacificado no
âmbito do STJ, do Supremo Tribunal Federal, do Tribunal de Contas da União e
também da Advocacia-Geral da União de que, “configurada a boa-fé dos servidores
e considerando-se também a presunção de legalidade do ato administrativo e o
evidente caráter alimentar das parcelas percebidas, não há falar em restituição
dos referidos valores (RE 638.115)”.
Para o relator, apesar de os regimes normativos
das entidades abertas e fechadas de previdência complementar e da Previdência
Social serem diferentes, deve ser aplicado o mesmo raciocínio em relação à não
restituição das verbas recebidas de boa-fé pelo segurado ou pensionista e que
tenham aparência de definitivas, como forma de harmonizar os sistemas.
“Se restar configurada a definitividade putativa
das verbas de natureza alimentar recebidas pelo assistido que, ao invés de ter
dado causa ou ter contribuído para o equívoco cometido pelo ente de previdência
complementar, permaneceu de boa-fé, torna-se imperioso o reconhecimento da
incorporação da quantia em seu patrimônio, a afastar a pretensa repetição de
indébito”, disse o ministro.
Villas Bôas Cueva esclareceu, no entanto, que a
situação não se confunde com aquelas que envolvem a devolução de valores de
benefícios previdenciários complementares recebidos por força de tutela
antecipada posteriormente revogada.
“Nesses últimos, prevalecem a reversibilidade da
medida antecipatória, a ausência de boa-fé objetiva do beneficiário e a vedação
do enriquecimento sem causa”, concluiu o relator.
Jurisprudência pacífica
Há consenso na jurisprudência de que o servidor
que, de boa-fé, recebeu valores a mais da administração pública não deve
devolver essa quantia ao Estado.
Com esse entendimento, o ministro Luiz Fux, do
Supremo Tribunal Federal, afastou a determinação do Tribunal de Contas da União
sobre a devolução de quantias indevidas recebidas por servidores do Tribunal de
Justiça do Distrito Federal. A decisão foi tomada nos autos do Mandado de
Segurança 31.244, impetrado pelo Sindicato dos Trabalhadores do Poder
Judiciário e Ministério Público da União no Distrito Federal (Sindjus-DF).
Além disso, a 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da
3ª Região já decidiu que a boa-fé do servidor no recebimento de valores pagos
indevidamente em decorrência de erro ou interpretação equivocada da legislação
pela administração suprime a necessidade de devolução aos cofres públicos.
Consultor Jurídico + Portal do STJ