BRF 2 : para entender a crise


A BRF, empresa da qual a Previ e Petros detém juntas 22% do capital, é tema de uma muito extensa matéria de capa (8 páginas) na edição atual da REVISTA EXAME, em si mesma impossível de ser resumida tão longo e detalhado é o relato montado para explicar as dificuldades atualmente enfrentadas pela empresa. Mas é possível, sim, apontar algumas ideias centrais que ajudam a entender a crise atual. O texto começa em seu terço inicial mostrando que o drama dos dias de hoje contrasta com a euforia que reinava entre os acionistas da BRF, maior exportadora mundial de carne de frango, com um faturamento de 34 bilhões de reais, poucos anos atrás. Para entender os equívocos cometidos desde então — e as possíveis soluções —, EXAME conversou com dezenas de executivos, ex-executivos, analistas, consultores e assessores próximos à companhia. Boa parte deles falou na condição de anonimato. Todos concordam que se tratava de um projeto que, pelo menos na planilha do Excel, não tinha como dar errado. Resultado da união de duas empresas rentáveis, a Perdigão e a Sadia (que registrara prejuízo com operações financeiras, mas tinha negócios bem-sucedidos), a BRF era considerada uma espécie de “Ambev das carnes”, com potencial de crescer globalmente.

Nunca houve muita polêmica quanto à maneira de realizar esse potencial: ganhar relevância internacional, fortalecer as marcas e incutir uma cultura única, uma missão complicada numa fusão entre rivais. Uma sequência de erros de execução, porém, somada a uma trama cheia de conspiração, desconfiança mútua e embate de egos levaram o plano a um fim melancólico.

A ideia de erro na execução volta ao texto alguns parágrafos mais tarde, quando a revistea registra que para  a gestora britância Aberdeen, dona de 5% do capital da BRF, o problema não foi a nova estratégia, e sim as falhas ao colocá-la em prática, levando a empresa a acumular prejuízo de 1,5 bilhão de reais nos dois últimos anos e perder 40 bilhões em valor de mercado desde o auge, em 2015.

Ao tentar importar práticas que deram certo em outros setores, a BRF colocou em xeque a estabilidade de toda a sua cadeia, que parte de um intrincado planejamento para formação e acompanhamento de milhares de criadores de aves e suínos até o abate, o chamado desmonte dos animais e o envio das partes para diferentes lugares no mundo. Tornar essa sequência azeitada é a chave para não perder dinheiro.  Uma das medidas que mais prejudicaram os resultados foi tomada em 2016, quando a BRF resolveu descentralizar a decisão sobre o que produzir e quanto cobrar. Em vez de isso ser definido pelo escritório central, os escritórios regionais passaram a ter autonomia. A ideia havia sido importada da fabricante de cervejas Ambev, de onde veio parte dos executivos contratados pela BRF. O objetivo era criar incentivos para que todas as regionais dessem lucro. Na prática, porém, ficou claro que a estratégia só funciona em cadeias menos complexas.

Na BRF, o resultado foi que, no conjunto, a conta não fechou. O segredo da rentabilidade está em aproveitar todas as partes do frango da melhor maneira possível. Mas, na lógica nova, descentralizada, partes menos nobres e menos rentáveis passaram a sobrar, elevando o desperdício. Cortes drásticos demais também afetaram o negócio. Toda a área de food services, que faturava 2 bilhões de reais atendendo o mercado profissional, como redes de restaurantes, foi fechada. A equipe comercial foi cortada quase pela metade. Os times das marcas Sadia e Perdigão foram unificados e passaram a não dar conta de vender todo o portfólio. Como consequência, a quantidade de clientes da companhia, que era de 200.000, caiu para 163.000. Com a reversão do modelo em 2017, voltou para 190.000.

Fechar um negócio hoje com um investidor envolve uma série de dificuldades. A mais relevante é que não se sabe quais serão os efeitos da Operação Trapaça nos negócios da BRF.  Quatro fábricas da BRF continuam com as exportações suspensas para 12 países. O processo contra a empresa e seus executivos está na fase da coleta de provas. Depois disso, o Ministério Público pode fazer uma denúncia contra os executivos, o que geraria uma ação na Justiça criminal. Se eles forem condenados, as penas podem ser o pagamento de multas ou, em casos extremos, a prisão. Já a empresa deve ser investigada pelos reguladores num processo administrativo.

Caso seja considerada culpada, pode pagar multas, ter produtos apreendidos e fábricas interditadas. A BRF também pode ser alvo de ações de entidades de defesa do consumidor. Por fim, acionistas que se sentiram prejudicados pelas decisões da direção da companhia podem processar a empresa pedindo ressarcimento, como se deu no caso da Petrobras. Em meados de março, um investidor americano entrou com um processo contra a BRF nos Estados Unidos. Mas pode haver outros.

Hoje, é impossível saber quanto a BRF será obrigada a pagar para encerrar esses processos (se é que terá de pagar algo). Um caso semelhante ocorreu com a montadora Volkswagen. Num processo que se arrastou de 2015 a 2017, a empresa admitiu ter fraudado testes de emissões de poluentes em carros a diesel em todo o mundo e pagou 26 bilhões de dólares em multas a consumidores e reguladores.

A vantagem da BRF é que ela não precisa vender para conseguir pagar suas contas — pelo menos, por enquanto. O endividamento total é alto: a dívida soma 20 bilhões de reais, o que representa quase oito vezes a geração de caixa, um nível superior ao da concorrente JBS e dos frigoríficos Marfrig e Minerva, segundo o banco BTG Pactual. Mas apenas 5 bilhões de reais vencem neste ano, e a BRF tem 6,6 bilhões em caixa. É uma situação bem diferente da JBS, quando veio a público o acordo de delação premiada que estava sendo negociado por seus donos, Joesley e Wesley Batista, em maio de 2017. Na época, a empresa devia 59 bilhões de reais, sendo que 18 bilhões venceriam em 12 meses.

No caso da companhia, a própria natureza de seu controle pulverizado colaborou para o potencial explosivo dessas relações. Por se tratar de uma “corporation”, nenhum acionista tem posição acionária majoritária a ponto de mandar sozinho. O mais poderoso, a Petros, detém 11,4% do capital. A sustentação de poder sempre dependeu da habilidade em manter a harmonia entre acionistas muito diferentes. Inicialmente, uma confluência de fatos conspirou para esse equilíbrio. Mas o tempo mostrou a fragilidade de sua base. Em jogo, a sobrevivência de uma joia do capitalismo brasileiro.



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