Reforma da Previdência: quando o piso vira teto


O estratagema para esconder os estudos e pareceres que serviram de fundamento para a reforma da Previdência afinal tinha objetivo prosaico. O governo de Jair Bolsonaro esquivou-se, até onde pode, de abrir os microdados para não ser obrigado a revelar que as mudanças nas aposentadorias embutem uma gordura de centenas de bilhões.

Ao franquear o acesso aos números, surpreendeu até analistas mais atentos sobre o tamanho da economia da nova Previdência. Em vez de R$ 1,072 trilhão de ganho fiscal com as alterações, a expectativa é atingir uma cifra ainda maior: R$ 1,236 trilhão. O argumento técnico é a atualização de parâmetros e o período de cálculo do impacto —o intervalo de dez anos será considerado a partir de 2020, e não mais 2019.

Com tamanha adiposidade, o espaço para acordo com congressistas é bastante elástico. Imagine se tivessem tomado conhecimento disso os incautos da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça)! Lá, a PEC foi aprovada nesta semana com um placar folgado de 48 a 18 votos.

 

Dados na mesa, sabe-se agora que a pressão contra pontos polêmicos da proposta tem potencial de estrago limitado e absorvível. Caso venham a ser retiradas pelo governo as modificações no BPC, na aposentadoria rural, no abono salarial e nas regras para professores, durante a votação na comissão especial, a reforma mesmo assim garantirá um alívio acima de R$ 900 bilhões.

O valor é bem superior ao resultante do texto aprovado pela comissão especial da PEC previdenciária de Michel Temer em 2017. Após várias concessões, a proposta assegurava uma economia de R$ 600 bilhões —ok, é preciso considerar que de lá para cá as condições fiscais se deterioraram de forma expressiva.

Na quinta (25), o presidente Bolsonaro afirmou que o piso para negociação aceito por Paulo Guedes (Economia) é de R$ 800 bilhões. Do ponto de vista estratégico, uma obtusidade. O capitão reformado imagina ter estabelecido um piso. Na realpolitik, pode tratar-se de novo teto.



FOLHA DE SÃO PAULO
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