A Operação Greenfield, deflagrada ontem
pela Polícia Federal (PF), revelou esquema de fraudes e superfaturamento nos
principais fundos de pensão do país que pode ter causado prejuízos superiores a
R$ 8 bilhões, segundo o Ministério Público Federal (MPF) e a 10 ª Vara da
Justiça Federal de Brasília. Petros (Petrobras), Previ (Banco do Brasil),
Funcef (Caixa) e Postalis (Correios) estão sob suspeita de fazer investimentos
ilícitos em troca do pagamento de propinas a gestores e a políticos, segundo as
investigações. A hipótese dos investigadores é que o esquema tenha reproduzido
a sistemática de corrupção identificada na Petrobras.
Cinco pessoas foram presas
temporariamente, entre as quais o ex-presidentes do Funcef, Guilherme Lacerda e
Carlos Caser, o diretor do fundo, Carlos Augusto Borges e o gerente do Funcef
Humberto Vianna - apontado pelo MPF como um dos protagonistas do esquema.
O rombo nos quatro fundos de pensão
investigados soma R$ 50 bilhões, aponta levantamento da Superintendência
Nacional de Previdência Complementar (Previc) anexado à investigação. No
entanto, nem todos os aportes feitos pelos fundos estão sob suspeita.
A decisão que autorizou a operação
elenca nomes de dezenas de pessoas físicas que teriam se beneficiado dos
supostos desvios. A Justiça impôs sete medidas cautelares a 40 investigados,
que terão de se afastar dos fundos, de empresas e dos mercados financeiros e de
capitais.
Sergio Rosa, que esteve à frente da
Previ entre 2003 a 2010, teria recebido propina da OAS para que o fundo
realizasse investimentos no interesse da empreiteira. De acordo com o MPF, ele
recebeu R$ 600 mil da OAS, entre 2012 e 2014, em 10 parcelas, por meio da
empresa R. S. Consultoria e Planejamento Empresarial a título de
"consultoria". As notas fiscais foram encontradas na sede da empreiteira,
em São Paulo, em busca e apreensão vinculada à Lava-Jato. Procurado, Rosa não
foi localizado.
Já o empresário Walter Torre Júnior, do
Grupo W/Torre, "foi um dos principais responsáveis pelo esquema criminoso
que culminou no investimento no FIP RG Estaleiros", segundo o MPF. A
companhia foi beneficiada pelo investimento FIP RG Estaleiros, segundo a
investigação.
Também são investigados os sócios da
Engevix, Cristiano Kok e José Antunes Sobrinho; o ex-presidente da OAS José
Aldemário Pinheiro Filho (que voltou a ser preso ontem pela Lava-Jato), João
Carlos Ferraz e Eduardo Musa - ex-presidente e ex-diretor da Sete Brasil,
respectivamente.
"Joesley Batista, responsável pelo
Grupo J&F Investimentos, idealizou com seu irmão Wesley Mendonça a fusão
entre as empresas Florestal e Eldorado, bem como a criação do FIP Florestal,
beneficiando-se do aporte de capital de Funcef e Petros, com prejuízo
financeiro aos referidos fundos de pensão", observou o juiz. As duas
empresas foram alvos de buscas pelos federais. Wesley prestou depoimento após
ser conduzido coercitivamente. Joesley não foi localizado porque estaria em
viagem aos Estados Unidos.
O presidente da Gradiente, Eugênio
Staub, é apontado na decisão judicial como "um dos principais responsáveis
pela concepção do esquema que gerou prejuízo ao Funcef no investimento do FIP
Enseada". Staub foi conselheiro do BNDES durante o governo Luiz Inácio
Lula da Silva.
A Justiça Federal determinou sequestro
de bens e bloqueio de ativos e valores de 103 pessoas físicas e jurídicas no
total de R$ 8 bilhões.
Ao todo, 38 pessoas jurídicas e 74
pessoas físicas foram alvos de ações de busca e apreensão pela Greenfield,
entre as quais Santander, Bradesco Asset Management, BEM DTVM (distribuidora de
títulos e valores mobiliários), Sete Brasil, Deloitte, Ecovix, Engevix,
W/Torre, Invepar, OAS, e a vice-presidência de gestão de ativos da Caixa
Econômica Federal.
A operação foi ancorada em dez casos
revelados a partir da análise contábil e fiscal de déficits bilionários
apresentados pelos fundos. Os investigadores listam oito Fundos de
Investimentos em Participações (FIPs) - FIP Cevix, FIP Multiner, FIP Sondas,
FIP OAS Empreendimentos, FIP Enseada, FIP RG Estaleiros, FIP Florestal e FIP
Global Equity -, além de um prejuízo sofrido pela Funcef na alienação de salas
comerciais. Citam também o "caso Invepar", em que os fundos de pensão
investiram na concessionária de infraestrutura por meio de aquisição direta de
participação acionária. "Apesar de não envolver FIP, as irregularidades
desse caso [Invepar] também são bastante semelhantes às dos casos que tratam de
FIPs, razão pela qual incluímos o caso Invepar já nesta primeira fase da
Operação Greenfield", diz o MPF no documento em que pede autorização para
a operação.
A investigação aponta que as aquisições
de cotas desses fundos de investimento em participações foram precedidas de
"avaliações econômico-financeiras irreais e tecnicamente
irregulares", com o objetivo de "superestimar o valor dos ativos da
empresa" - ampliando de forma artificial a quantia total que o fundo de
pensão precisa pagar para adquirir uma participação acionária indireta.
O procedimento é semelhante ao de um
superfaturamento de obras públicas, quando o valor de uma obra é superestimado
para justificar pagamento maior por parte do poder público, segundo os
investigadores e o juiz Vallisney Oliveira, titular da Greenfield.
Assim, os fundos pagavam mais pelas
cotas dos FIPs do que elas de fato valiam. Para os procuradores, o esquema se
dividiu em quatro núcleos: empresarial; dirigentes de fundos de pensão;
empresas avaliadoras de ativos; e gestores e administradores dos FIPs.
A "gestão temerária" se daria
a partir do momento em que o fundo toma a decisão de investir em uma empresa e
arca com o prejuízo - se o caso não for isolado e houver um mesmo padrão de
investimentos, a perda pode ser um indicativo de que houve orquestração para
que envolvidos na operação ganhassem dinheiro.
O número expressivo de alvos foi
planejado para evitar destruição de provas e versões combinadas entre os
investigados. Por isso, o tamanho da operação foi grande - 560 policiais
federais, 12 inspetores da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), quatro
procuradores federais da CVM, oito auditores da Previc e sete procuradores da
República cumpriram 147 mandados judiciais, sendo 106 de busca e apreensão, 34
de condução coercitiva e 5 de prisão temporária em 9 Estados e no DF.
Os investigadores apuram crimes de
gestão temerária ou fraudulenta, além de outros crimes contra o Sistema
Financeiro Nacional. A PF apreendeu R$ 350 mil, US$ 100 mil e ? 50 mil, obras
de arte, joias e veículos de luxo.
A investigação começou em 2014, quando
o PSDB fez uma representação junto ao MPF no Distrito Federal. O partido pedia
para investigar suposto aparelhamento político dos fundos de pensão por PT e
PMDB, apurou a reportagem.
Depois, a Previc apresentou à
Procuradoria-Geral da República levantamento sobre operações suspeitas nos
fundos de pensão, e o material integrou o inquérito.
Há cerca de três meses o MPF montou
força-tarefa em Brasília para apurar o esquema. Há mais de 20 inquéritos em
andamento. A operação de ontem focou no recorte financeiro mais expressivo
dentre as linhas de investigação que estão sendo tocadas.
Em uma próxima etapa, a Greenfield deve
mirar a investigação em eventuais conexões de desvio de dinheiro dos
investimentos para o caixa de partidos políticos, apurou a reportagem.
Condenados na Lava-Jato, o ex-gerente
de Serviços da Petrobras, Pedro Barusco, e o ex-presidente da OAS, Léo
Pinheiro, foram conduzidos coercitivamente a depor - Pinheiro foi preso por
ordem do juiz federal Sergio Moro.
O nome da investigação - Greenfield - é
uma alusão a investimentos que envolvem projetos incipientes, ainda fora do
papel.
Valor