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De
piadinhas com cunho sexual ao descrédito de ideias, especialistas apontam
comportamentos discriminatórios contra mulheres.
Segundo o estudo, 36% das mulheres já foi elogiada
de forma constrangedora por seus atributos físicos; 33% foi humilhada perante
os colegas; 22% foi discriminada pela aparência e 16%, pelo comportamento
moral, como a liberdade de escolha sexual.
Esse ambiente acaba contribuindo para empurrar as
mulheres para fora do mercado de trabalho e colocar o país em rankings
constrangedores.
O Brasil é, por exemplo, um dos países em que as mulheres estão mais propensas a
abandonar o trabalho durante a atual crise de Covid.
O índice igualdade de gênero para a participação e
a oportunidade econômica no país regrediu, de acordo com ranking global
divulgado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF).
De 156 nações, o Brasil foi da
63ª posição, em 2006, para a 89ª em 2020.
Elogia a aparência, não o trabalho?
Elogiar não está proibido nas relações de trabalho, mas supervalorizar a
aparência física da mulher é inadequado em qualquer circunstância profissional.
Se a relação não envolver amizade, chamar para
sair, dar presentes ou fazer convites, principalmente se a funcionária for
subordinada, gera uma situação constrangedora para a profissional.
“Existe uma clara diferença entre elogio e assédio,
e o limite é o constrangimento, o consentimento da mulher. O limite é dado pelo
interlocutor, está no outro.
A linha não é tênue, é só perguntar se a pessoa
ficou constrangida”, diz a advogada Mariana Ganzarolli, fundadora do Me Too
Brasil.
Ela aponta para um cuidado se colega for lésbica ou
bissexual: "não faça perguntas pessoais sobre sua sexualidade, ela não tem
obrigação de lhe explicar como um relacionamento lésbico funciona".
Vocativos como linda, gata ou amor nunca foram bem-vindos.
Faz piada relacionada a gênero?
"Está nervosa porque está de TPM?" é uma pergunta que remete ao
colégio, mas ainda clássica em ambientes profissionais.
Mulheres que passam por
alguma situação de estresse ou raiva costumam ter as emoções julgadas pelo
gênero: se gritou ou exagerou em uma reação, o motivo é seu útero.
Outro órgão frequentemente citado para
desqualificar mulheres no trabalho é o coração. Elas podem ter "coração
mole" se manifestam preocupação com os colegas ou "coração
peludo" se toma decisões práticas.
Interrompe ou explica excessivamente (manterruping
e mansplaining)?
Os termos estrangeiros manterruping e mansplaining já estão famosos para além
do dicionário feminista.
O primeiro é a interrupção contínua e desnecessária
do homem à fala da mulher.
O segundo é a necessidade de o homem explicar um
assunto que a interlocutora nitidamente domina (costuma ser em tom professoral
e condescendente) e popularizou-se nos últimos anos após o ensaio "Os
Homens Explicam Tudo para Mim", da autora americana Rebecca Solnit.
Intromissões ocorrem a todo tempo e nem sempre são
motivadas por gênero, mas em relações de poder —e havendo mais homens no poder—
é um padrão a se prestar atenção.
Atribui trabalhos por gênero, não por competência?
Costuma passar tarefas de menor visibilidade ou empenho intelectual a mulheres?
Repassa funções de secretariado se ela não exerce tal função? Não valoriza suas
ideias ou não reconhece sua autoria em projetos?
Usa a posição funcional para
reforçar lógicas de poder?
Para Tainã Góis, que defende mulheres em casos
trabalhistas, o assédio moral está relacionado a formas de gestão agressiva, na
qual a reação da funcionária é percebida como falta de resiliência ou
insubordinação.
"Quando o trabalho da mulher fica muito
escondido, sem relevância, e ela tem um chefe que abafa em vez de inspirar, o
que começa a acontecer é um limbo de raiva e sentimento de incapacidade.
Em
casos de assédio do tipo, o desempenho cai porque junto vem a
insegurança", diz.
Entende reivindicações de equidade por respeito
como "mimimi"?
Mulheres ocupam apenas 37% de cargos gerenciais (mesmo com melhor formação) e
recebem 77,7% do rendimento de homens, de acordo com os últimos dados do IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Ainda dedicam quase o dobro do tempo que homens em afazeres
domésticos.
Assim, com frequência, queixas de funcionárias
sobre o mau comportamento de chefes são desqualificadas por outros superiores.
A vítima —e não assediador— passa a ser mal vista.
"Quem não faz parte da minoria sempre vai
achar que é mimimi", diz Ricardo Basaglia, diretor-geral da Michael Page,
consultoria de recursos humanos, referindo-se a reivindicações por espaço a
mulheres ou grupos minoritários.
"Era comum ser promovido, sentar na
cadeira de gestor sem instrução e repetir os mesmos comportamentos tóxicos
recebidos de chefes do passado, mas isso está mudando."
Perpetua a ideia de que maternidade é empecilho?
A discrepância entre o período de licença-paternidade e licença-maternidade no Brasil reforça a
ideia de que a mulher é a maior ou única responsável pela criação dos filhos,
portanto menos disposta ao trabalho.
Na maior parte dos casos, ela acumula funções
domésticas e corporativas, com jornadas superiores às dos homens. Quem entende
que maternidade é uma barreira para a ascensão da mulher corrobora um estereótipo.
Não basta só defender licença-maternidade, mas a ampliação da
licença-paternidade para equilibrar responsabilidades.
Não contribui para um espaço igualitário?
O ser humano não gosta de errar, mas o homem machista gosta menos ainda de
admitir decisões erradas se quem fez o contraponto é uma colega de trabalho.
"É importante que homens não tenham medo da
vulnerabilidade, que saibam que estão expostos a cometer erros com colegas e
que os erros são corrigíveis", afirma Vanessa Lemos, cofundadora do
Instituto Diversidade que ministrou uma mentoria masculina para 65 funcionários
da Ecorodovias.
"Os homens precisam se conscientizar do seu
papel de aliados, de entender o que é competência e que gênero é uma construção
social", diz.
Para a especialista em gestão de pessoas, adotar
uma postura de aprendizado contínuo sobre temas de igualdade e valorizar
políticas institucionais de modo proativo é uma forma de combater assédios
desse tipo.
FOLHA DE SÃO PAULO