Aparelhados pelos partidos políticos durante a
era petista, os fundos de pensão das estatais e empresas federais se tornaram
alvo de uma megainvestigação da Procuradoria do Distrito Federal sobre desvios
de recursos que lesaram os aposentados em R$ 8 bilhões. Trata-se da Operação
Greenfield, que cumpriu, no último dia 5, um conjunto de 28 mandados de
condução coercitiva, sete de prisões temporárias e 106 de buscas e apreensão.
ISTOÉ obteve com exclusividade as gravações que fundamentaram a operação. Os áudios
referem-se a reuniões de diretores da Funcef – órgão que administra a
previdência complementar da Caixa e foi comandado por executivos indicados e
ligados ao PT, acumulando um prejuízo de ao menos R$ 2 bilhões. O material
explosivo revela a total negligência com os recursos dos aposentados e indica
uma clara atuação de dirigentes da Funcef no sentido de honrar acertos
políticos. Para a PF, há fortes indícios de que o ex-tesoureiro petista João
Vaccari Neto, atualmente preso pela Lava Jato, esteja por trás das operações
fraudulentas aprovadas pela cúpula da Funcef. As suspeitas também recaem sobre
o ex-ministro da Casa Civil de Dilma, Jaques Wagner. Um dos beneficiários do
esquema, segundo as investigações, foi o ex-presidente da OAS, Léo Pinheiro,
ligado ao PT, a Lula e a Jaques Wagner.
A postura observada nas reuniões é escandalosa:
diretores dão o aval aos investimentos mesmo admitindo não terem lido todos os
documentos, autorizam aportes sem saber de onde a Funcef vai tirar dinheiro e
passam por cima de riscos considerados graves por executivos do órgão, como a
existência de dívidas tributárias e trabalhistas de uma empresa que demandava
recursos do fundo. Em comum, nos encontros de diretores da Funcef, há o fato de
os presidentes do Fundo de Pensão dos servidores da Caixa, indicados pelo PT,
sempre defenderem a liberação dos recursos, a despeito dos reiterados alertas
feitos pelos seus diretores. São eles, em dois momentos administrativos
distintos da Funcef: Guilherme Lacerda e Carlos Alberto Caser, ambos ligados ao
PT. Os dois e outros cinco gestores do fundo foram presos temporariamente
durante a Operação Greenfield. Depois de prestarem depoimento, deixaram a
cadeia.
A PF destaca três reuniões como as mais
emblemáticas para demonstrar a existência de negociações prejudiciais à Funcef,
feitas única e exclusivamente para cumprir acordos políticos: a que selou
aportes de R$ 400 milhões na OAS Empreendimentos, a que confirmou investimentos
de R$ 1,2 bilhão em três anos na Invepar (braço da OAS na área de transportes)
e a que ratificou a aplicação de R$ 17 milhões no FIP Enseada, a fim de
reerguer a Gradiente. Naquele momento, o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro
pressionava a cúpula petista pelo aval aos negócios de seu interesse. Nas
mensagens extraídas do celular do empreiteiro, há referências à atuação de
Jaques Wagner e Vaccari na Funcef. Em julho de 2013, quando o caso estava sob
discussão, Léo Pinheiro escreveu para o acionista da OAS Antônio Carlos Mata
Pires: “Como foi na Funcef? O nosso JW [Jaques Wagner] me perguntou”. Ao que
Pires respondeu: “Ótimo. Foi aprovado para contratação do avaliador, Deloitte.
Agora, precisaremos de JW [Jaques Wagner] na aprovação final”. Em outra
conversa pelo celular, Léo Pinheiro diz que pela Funcef estaria tudo certo, mas
adverte César Mata Pires, dono da OAS, que poderia haver problemas na aprovação
do negócio pela Caixa. Segundo a mensagem, Carlos Borges, diretor da Funcef,
havia ligado para Pinheiro preocupado com a questão. Quem também telefonou para
agendar um encontro foi João Vaccari. Ao fim, o investimento foi aprovado. “Não
esqueça de me reservar uma vaga de officeboy nesse arranjo político. Afinal com
a sua influência junto ao Galego e o Lula, vc é o CARA”, atesta Carlos Borges,
da Funcef, em mensagem encaminhada a Léo Pinheiro em 2014.
Para a PF, a pressão que precedeu a aprovação do
negócio explica o conveniente “descuido” na hora de aprovar os investimentos
que deram prejuízos à Funcef. A reunião da diretoria da Funcef para sacramentar
o investimento na OAS Empreendimentos ocorreu em novembro de 2013. O aporte
seria feito em duas parcelas de R$ 200 milhões. Os diretores não sabiam de que
fonte orçamentária sairia o segundo aporte. Mesmo assim, deram o sinal verde
para a operação. Isso gerou longos embates na reunião, que durou 1 hora e 23
minutos. Nas conversas, o então diretor de Planejamento e Controladoria da
Funcef, Antônio Bráulio de Carvalho, faz uma autocrítica e alerta para o risco
de faltar dinheiro para honrar os compromissos: “A gente não presta muita atenção
na política de investimentos e não faz as discussões nos momentos que têm que
ser feitos. Se eu aprovo R$ 200 milhões aqui pro ano que vem, se chegar outro
investimento também que não está previsto… se chegar outro que não tá previsto,
o que vou fazer? Nós estouramos a liquidez”. Um outro participante da reunião,
não identificado, faz outra ressalva: “Vai ter que vencer isso, de onde sai o
dinheiro. Não dá pra investir R$ 400 milhões, ou R$ 200 milhões, e falar ‘ah
não sei de onde’”. No final da reunião, o diretor-presidente Carlos Alberto
Caser, indicado pelo PT, rebate as críticas e sustenta que não deveriam deixar
de aprovar o negócio só porque não estava previsto na política de
investimentos. Para ele, a fonte dos recursos seria resolvida posteriormente.
“Depois de termos gastado um ano de discussões, contratando uma consultoria que
custou R$ 500 mil, foi cara pra dedéu. Negociamos blá blá blá blá blá blá.
Agora [para quê] eu vou submeter isso (…) burocraticamente à política de
investimentos, tendo um retorno bom?”, afirmou Caser. Ao fim, a Funcef aprovou
o negócio. Segundo o Ministério Público Federal, os milhões investidos viraram
pó: valiam apenas R$ 117,5 mil em dezembro de 2015.
Outro investimento na OAS de R$ 1,2 bilhão, o
chamado FIP Invepar, foi aprovado sem relatórios da análise jurídica e de
conformidade – que avalia o cumprimento a determinadas regras. É o que revela o
áudio da reunião ocorrida em 20/10/2008, com duração de 37 minutos. No
encontro, o diretor de Planejamento e Controladoria, Antônio Bráulio, discorda
da pressa na aprovação: “Em termos de coerência fica complicado. Como é que um
diretor de conformidade e controle pode aprovar uma coisa sem ter analisado
anteriormente?”. Coube mais uma vez a um diretor-presidente ligado ao PT, neste
caso Guilherme Lacerda, intervir para garantir o negócio: “(…) Eu queria também
fazer um apelo, é um apelo, é um esforço muito grande o investimento que a
gente tá, pode dar errado (…) mas é um investimento que vinha pensado aqui
muitas vezes, na perspectiva de ter uma valorização grande”.
O terceiro caso que chamou a atenção dos
investigadores envolveu a aprovação do investimento de R$ 17 milhões no FIP
Enseada, um fundo constituído para reerguer a antiga Gradiente, mergulhada em
dívidas trabalhistas e tributárias. De novo os diretores resolveram passar por
cima dos riscos que envolviam o negócio para agradar ao então presidente da
empresa, Eugênio Staub, que havia declarado apoio a Lula na eleição. Logo ao
apresentar o projeto, o diretor de investimentos Demósthenes Marques adverte:
“A gente tá entrando em um negócio que é de nível de risco maior do que a
grande maioria”. Bráulio, por sua vez, classifica de “preocupante” a
possibilidade de as dívidas da empresa provocarem perdas à Funcef. A exemplo do
episódio anterior, em que avalizou um negócio altamente temerário com o único
objetivo de atender demandas políticas, o presidente Guilherme Lacerda banca o
aporte. Atribui as advertências a “fofocas de jornal” e diz que o fato de o
dono da Gradiente ter anunciado apoio ao Lula não pesaria em sua decisão.
Pesou.
“Estou tranquilo em relação às posições que adotei na
Funcef porque as informações que tinha à época levariam qualquer gestor a ter a
mesma postura”, disse Lacerda por meio de seu advogado. Não é o que pensam os
investigadores. Para eles, as negociações ocorriam “em conjunto com autoridades
políticas que tinham clara ascendência sobre os diretores dos fundos de
pensão”. Vaccari integraria o chamado núcleo político do esquema e, segundo a
PF, “possivelmente concorreu” para que fosse aprovado o investimento na OAS “em
detrimento do patrimônio da Funcef”. O próximo passo do procurador Anselmo
Henrique é destrinchar ainda mais a relação desse núcleo político com os fundos
de pensão. Nos últimos dias, foram analisados os depoimentos prestados no
último dia 5. Agora, o MP quer acesso a delações da Lava Jato. Na última
semana, empresas alvo da operação firmaram acordos com o MP para depositar
valores em juízo e ficarem livres de medidas restritivas. A OAS devolveu R$ 240
milhões. Ainda é muito pouco perto do bilionário prejuízo amargado pelos
aposentados da Caixa.
IstoÉ