Caso Americanas expõe as falhas dos 'guardiões' do
mercado de capitais.
Auditoria, agências
de rating e bancos não identificaram histórico de 'inconsistência contábil';
empresas não comentam.
Era pouco depois
das 12h de 11 de novembro de 2022. Fabiana Oliver participava da sua segunda
teleconferência com analistas e investidores da Americanas, empresa na qual chegou em julho.
Ela havia assumido a diretoria de relações com investidores da Americanas, um
mês antes de Sergio Rial, então presidente do conselho do Santander, ser anunciado como o novo presidente da varejista.
"Fechamos o
[3º] trimestre com uma robusta posição de caixa de R$ 14 bilhões e uma posição
de dívida líquida de R$ 5,3 bilhões".
Nenhuma palavra, porém, sobre o
prejuízo de R$ 447 milhões acumulado nos nove primeiros meses de 2022, os
últimos dados públicos da empresa.
Exatos dois meses
depois, o mercado recebeu estupefato a notícia dada por Rial, sobre a
existência de R$ 20 bilhões em "inconsistências contábeis" no balanço
da Americanas, um montante que se acumulava "há pelo menos sete
anos".
Oito dias depois,
em 19 de janeiro, a empresa apresentou a sua recuperação judicial:
no lugar dos R$ 14 bilhões, declarava ter só R$ 800 milhões em caixa (que
acabaram reduzidos a R$ 250 milhões, após o bloqueio de recebíveis por bancos).
Em vez dos débitos de R$ 5,3 bilhões, uma dívida de R$ 43 bilhões, que levou a
Americanas ao quarto lugar no ranking das maiores recuperações
judiciais do Brasil.
"Diante de
todo esse escândalo, que sugere uma grande fraude contábil, é preciso se perguntar
onde estavam os guardiões do mercado de capitais", diz o especialista em
governança corporativa Alexandre di Miceli, sócio da consultoria em alta gestão
Virtuous.
Ele se refere à
auditoria da Americanas, responsável por examinar os dados do balanço; às
agências de classificação de risco, que analisam o risco que o investidor corre
ao aplicar em ativos da companhia; e as casas de análise, que recomendam ou não
a compra de um papel com base nos números e na atividade da empresa.
"Elas deveriam
ter emitido sinais de alerta a investidores e minoritários a respeito dos
riscos que a companhia representava", afirma di Miceli, doutor e mestre em
administração de empresas e finanças pela FEA-USP, com pós-doutorado pela
Université Catholique de Louvain (Bélgica).
Até a data de 11 de
janeiro, quando foi divulgado o rombo de R$ 20 bilhões no balanço da
Americanas, 10 das 15 casas de análise que acompanhavam o papel apontavam um
preço-alvo acima de R$ 12, praticado no fechamento da data.
Algumas indicavam
um potencial de valorização de 200% ou mais. Hoje, todas as 15 casas colocaram
o papel sob revisão.
QUAL A FUNÇÃO DE CADA "GUARDIÃO"
Analisam os balanços das empresas para, segundo a
CVM, "assegurar credibilidade às informações financeiras de determinada
entidade, ao opinar se as demonstrações contábeis preparadas pela sua
administração representam, em todos os aspectos relevantes, sua posição
patrimonial e financeira"
Avaliam produtos financeiros, como títulos de
dívida, e seus emissores segundo o grau de risco de não pagamento nos prazos
estabelecido. Elas têm uma classificação que indica se uma empresa é boa ou má
pagadora
Oferecem recomendações para a alocação de
investimentos, com base nas perspectivas futuras de ganho ou perda com
determinada ação. Costumam dar recomendação de compra e venda, de acordo com o
valor que estimam para o preço de determinada ação
FOLHA DE SÃO PAULO