Fenômeno da falta de trabalhadores nos EUA dá
sinais no Brasil
Relatos de
dificuldade para contratar podem ser explicados por descasamento no mercado de
trabalho
O fenômeno da escassez de mão de obra que atingiu os EUA na
pandemia preocupa setores empresariais brasileiros, que receiam estar diante de
um cenário com alguma semelhança.
A despeito do desemprego elevado, negócios
nas indústrias de calçados, confecções, náutica, farmacêutica e até
restaurantes relatam diferentes níveis de dificuldade para preencher vagas
novas ou reabertas.
A avaliação é que os trabalhadores podem ter migrado para
outras cidades ou atividades no último ano.
Afetados
pela redução nas vendas de calçados por causa da quarentena, os pólos calçadistas de
Franca e Jaú, em São Paulo, agora vislumbram a retomada, mas enfrentam
dificuldade para readmitir os trabalhadores dispensados na crise, segundo
Haroldo Ferreira, presidente da Abicalçados (associação do setor).
Até no setor de
restaurantes, tido como importante porta de entrada de jovem no mercado de
trabalho, os demitidos migraram para aplicativos,
construção civil ou foram empreender com a venda marmita feita em casa, segundo
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel (associação dos bares e restaurantes).
Ele diz que também houve um fluxo para cidades do interior.
O outro efeito
colateral da crise neste mercado foi o ganho de produtividade, segundo
Solmucci. "Onde trabalhavam 10, hoje trabalham 8. Não voltaremos ao mesmo
número de empregos, mesmo que o setor retome o faturamento de 2019 neste
semestre", afirma.
Existe uma percepção de que pode ter ocorrido um descasamento na
pandemia provocado pelo deslocamento geográfico ou de atividade.
O setor de serviços mudou com a tecnologia. Talvez um
restaurante não precise mais de tanta gente servindo, porque as pessoas pedem
mais em casa.
Aí precisa ter uma mão de obra um pouco diferente, que tem de
entender também do pedido do iFood, de olhar um sistema. Não é exatamente a
mesma coisa. Pode ter esse descasamento.
E, neste momento,
há setores diferentes demandando em quantidades também distintas. Algumas
profissões são mais substituíveis do que outras.
"Está muito
claro nos EUA que as pessoas saíram das grandes cidades porque o trabalho
poderia ser feito remoto. Aqui não é tão claro que isso aconteceu porque nem
todo trabalho pode ser feito de forma remota.
O presencial vai voltar muito
mais fortemente aqui", afirma a economista Cecília Machado.
Uma outra
explicação pode estar no medo do contágio. Enquanto houver pessoas com receio da
pandemia, elas se sentirão inseguras para o trabalho, segundo a economista.
Cecília Machado ressalva que o sentimento de insegurança capaz de levar o trabalhar a
rejeitar uma vaga depende do nível de conforto de renda.
"Nos EUA, as
pessoas colocam esse argumento por causa do plano Biden. Aqui isso não está
acontecendo, a gente não tem mais aquele auxílio emergencial.
É muito
improvável essa explicação aqui. Acho que é possível o medo da variante. Mas
ele encontra um limite no quanto as pessoas conseguem se sustentar sem
trabalhar", diz.
FOLHA DE SÃO PAULO