O retorno do zumbi dos valores familiares
Crianças
precisam de ajuda de verdade, e não de uma retórica vazia.
Por algumas poucas semanas, em 1992, a política
nos Estados Unidos teve como foco os “valores familiares”.
O presidente George Bush pai estava enfrentando
problemas em sua campanha de reeleição devido a uma economia fraca e à
desigualdade crescente.
Por isso, seu vice-presidente, Dan Quayle, tentou mudar
de assunto atacando Murphy Brown, uma personagem em uma série de humor na TV,
que decide ter um bebê apesar de não ser casada.
O incidente me veio à memória quando li sobre
declarações recentes de J.D. Vance, autor de “Hillbilly Elegy” e
agora candidato republicano ao Senado pelo
Ohio.
Vance apontou que alguns democratas proeminentes
não têm filhos, e atacou a “esquerda sem filhos”.
Também elogiou
as políticas do líder húngaro Viktor Orban, cujo governo
subsidia casais que têm filhos, e perguntou: “Por que não podemos fazer isso aqui?”
Como apontou Dave Weigel, do The Washington
Post, que estava lá, foi estranho que Vance não tivesse mencionado o crédito
fiscal aprovado recentemente por Joe Biden para as famílias, que fará enorme diferença para as
muitas famílias pobres que têm filhos.
O fim das virtudes vitorianas, muita gente argumentava,
conduziria a um futuro de crime e caos desenfreados.
A sociedade, no entanto,
se recusou a entrar em colapso.
É verdade que a proporção de mães solteiras começou a crescer.
Falarei mais sobre isso adiante.
Mas o pico da ansiedade quanto aos valores de
família por acaso coincidiu com o início de uma queda imensa no número de
crimes violentos.
As grandes cidades, especialmente, se tornaram muitíssimo mais
seguras. Por volta da década de 2010, o número de homicídios em Nova York tinha
caído de volta ao nível da década de 1950.
E já que alguém com certeza mencionará
o fato, sim, durante a pandemia o número de homicídios cresceu —mas não o de
crimes em geral.
O fato é que existem muitas coisas que podemos e deveríamos
fazer para tornar a nossa sociedade melhor. Fazer mais para ajudar as famílias
que têm filhos —com assistência financeira, serviços de saúde melhores e acesso
a creches— está no topo da lista ou perto dele.
E o objetivo, aliás, não é
encorajar as pessoas a terem mais filhos —essa decisão cabe a elas—, e sim
melhorar a vida das crianças, para que ao crescer se tornem adultos mais
saudáveis e produtivos.
Por outro lado, gritar com membros da elite sobre as decisões
deles quanto a suas vidas pessoais não está na lista de jeito algum. E quando
isso é tudo que um político faz, é um sinal de falência intelectual, e talvez
moral.
FINANCIAL TIMES