Gestores públicos mundo afora enfrentam o duro desafio de
honrar o pagamento de
aposentadorias e pensões de servidores públicos com regras de benefício
definido. Na experiência mundial, os governos oferecem regras previdenciárias
mais generosas ao funcionário público, como forma de atrair talentos e, ao
mesmo tempo, evitar remuneração equivalente ao do setor privado. Ocorre que a
população está envelhecendo e a conta crescendo, exigindo repactuação de regras
como condição para solvência do sistema.
Grosso modo, os países não explicitam os passivos que terão
que honrar no futuro e, portanto, o peso transferido para as gerações futuras
via aumento da carga tributária. Sem transparência, dificulta-se o diálogo com
a sociedade e a busca de saídas ordenadas para evitar o colapso futuro. O fato
é que o esse diálogo se tornou inevitável.
No Brasil, os números falam por si só e fazem o país destoar
pelo elevado custo previdenciário do setor público. No ano passado, o regime de
aposentadoria da União fechou com déficit de R$ 40 bilhões, enquanto Estados
registraram rombo de R$ 77 bi, pelo cálculo da Secretaria do Tesouro Nacional
(STN). O déficit atuarial dos Estados está em quase 50% do PIB, e da União
acima de 20%. Os números são todos ruins, mas nos Estados a situação é mais
dramática, inclusive pelo fato de o gasto com pessoal ativo consumir parte
importante das receitas, o que somado a previdência torna o quadro
insustentável.
De acordo com a STN, os gastos com pessoal representaram 59%
dos gastos orçamentários dos Estados em 2015. Deste total, 76% foram para
ativos e 24% para inativos (o valor do gasto previdenciário se altera de acordo com o volume de
aportes que o Estado precisa fazer ao Regime Próprio de Previdência Social
(RPPS). Esse número refere-se à mediana entre os entes da federação. Em um
extremo, há Minas Gerais e Rio Grande do Sul, com gastos em torno de 74% do
total, e do outro, Ceará, com 50%. Esses gastos – muitas vezes subestimados nas
estatísticas dos Estados, em função de exclusões criativas de alguns itens de
despesas, como impôrções patronais – atingiram 58% como proporção da receita
corrente líquida. Sobram poucos recursos para políticas públicas.
Como se a foto já não fosse suficientemente ruim – com 13%
dos gastos dos Estados comprometidos com pensionistas em 2015 -, o filme para
os próximos anos é alarmante. Segundo pesquisa do atual secretário de
Previdência, Marcelo Caetano, quando ainda era pesquisador do IPEA, o número de
pensionistas vai praticamente dobrar em 50 anos. Segundo suas projeções, o
déficit previdenciário dos Estados deve crescer em 5,3% ao ano até 2030,
elevando o comprometimento das receitas com pagamento de aposentados e
pensionistas.
O estado deixando de cumprir sua função de servir à
sociedade. Se nada for feito, em breve só servirá aos funcionários públicos. É
necessário reduzir o peso do RPPS sobre as contas públicas. Dada a gravidade da
situação, não basta apertar as regras de acesso aos benefícios, como elevar
idade mínima para aposentadoria, igualar regras entre homens e mulheres, e
eliminar regimes especiais, como de professores e policiais. É necessário
também elevar a contribuição dos ativos e alterar as regras de cálculo dos
benefícios (como extinguir a paridade que ainda existe entre ajustes de ativos
e inativos para quem ingressou antes da EC 41/2003) e reduzir os benefícios de
aposentados e pensionistas. Não se pode descartar a necessidade de mexer com
direitos adquiridos. Talvez os servidores ativos não queiram pagar a conta
sozinhos.
A realidade muda e as regras também precisam alternar, pois a
sociedade não parece disposta a pagar a conta. Melhor uma saída organizada, com
reformas, do que desorganizada, com calote.
Um primeiro passo na direção do ajuste poderá vir na proposta
de reforma da previdência a ser enviada ao Congresso. Segundo a imprensa, a
proposta poderá impôrr todos os Estados e municípios a criarem um plano de
previdência complementar para novos funcionários ou aderir ao fundo dos
servidores do executivo federal (Funpresp) em até dois anos, tal que o
benefício fique limitado ao teto do INSS (hoje pouco mais de R$ 5 mil), e o que
extrapolar seja complementado por esse fundo, em regime de capitalização. O
problema é que o passo é muito tímido frente ao desastre.
Os cidadãos, em cada Estado e em cada município, precisam
estar cientes do custo crescente da previdência nas 3 esferas de poder. A
transparência é importante aliada dos gestores públicos, que deverão
democraticamente dividir o custo do ajuste entre o servidor na ativa, o inativo
e pensionista, e o cidadão. A gravidade da situação e a resistência da
sociedade a mais aumentos da carga tributária sugerem que o sacrifício
precisará ser feito pelo setor público. O setor privado já está muito
sobrecarregado com impostos altos e serviços públicos de baixa qualidade. Não
parece haver espaço para pedir mais este sacrifício.
Vale a discussão sobre a criação de um fundo de emergência
para reduzir o déficit atual, além das mudanças de regras para conter a
dinâmica explosiva dos gastos conforme a sociedade envelhece.
Há muitas distorções e tratamento diferenciado entre os poderes,
nos valores e nas regras da
previdência, que precisam ser enfrentados.
Mudar as regras para todos ajudaria a diluir o ajuste.
Manter privilégios de alguns seria equívoco.
Finalmente, seria importante o apoio dos governadores
à proposta de reforma da previdência do governo federal. E que avancem as
discussões para reformas posteriores nos Estados, com coordenação do governo
federal. Não fazer nada não significa apenas comprometer o futuro, mas o
presente também.
Boa Informação