Em um mundo de
juros baixos, quem quiser aposentadoria mais alta terá que poupar mais.
O
economista Fábio Giambiagi, um dos maiores especialistas em previdência do
País, diz em artigo que o assunto capitalização entrou no debate do
País ano passado e provavelmente ficará entre nós por muito tempo. Diz
acreditar que o tema pouco tem que ver com a solução da crise
fiscal, mas é fundamental como tema da educação financeira do País.
Com o intuito de
colaborar para o melhor entendimento da questão, em coautoria com Luis E.
Afonso, desenvolvemos uma série de cálculos, que foram apresentados no
texto Alíquota previdenciária em um regime de capitalização: uma
contribuição ao debate. Ele foi publicado recentemente como Texto para
Discussão do BNDES, número 134, e está disponível para os interessados no
site www.bndes.gov.br.
O procedimento
utilizado é simples: mostra-se a fórmula que calcula o valor presente das
contribuições, faz-se o mesmo com o valor presente do que é recebido pela
pessoa como aposentadoria complementar e igualam-se as fórmulas. Assim, para
cada combinação de valores de taxa de reposição (porcentual da aposentadoria em
relação ao último salário), número de anos de contribuição, duração da fase de
recebimento e taxa de juros, há uma única alíquota de contribuição (porcentual
da contribuição em relação ao salário) que iguala o valor presente das duas
equações. “Valor presente”, em economia, é a expressão, a preços de um
determinado momento, de fluxos distribuídos ao longo do tempo (meses ou, no
caso em questão, anos).
Um exemplo ajuda a
entender a lógica. Imaginemos um homem que começa a trabalhar e contribuir com
20 anos de idade, planejando se aposentar e passar a ter uma renda complementar
a partir dos 60 anos, pretendendo receber essa aposentadoria complementar por
mais 20. Se a sua renda for estável na sua vida ativa e se o rendimento real da
sua aplicação for nulo, para ter uma aposentadoria igual ao salário ele
precisaria contribuir com 50% dele. Isso porque esse valor, acumulado por 40
anos, permitiria arcar com uma renda igual ao salário durante 20 anos.
O mundo, porém, é
mais complicado. Há dois parâmetros-chave, na forma de taxas, que afetam esse
cálculo. O primeiro é o crescimento salarial: é pouco realista assumir que o
indivíduo que começa ganhando xis vai conservar sua renda estável durante 35 ou
40 anos. Em geral, as pessoas fazem progressos na carreira e isso redunda em
maiores remunerações. E nesse caso pequenas variações fazem uma grande
diferença. Se uma pessoa que começa ganhando R$ 5 mil tiver um incremento real
de 1% ao ano, em 35 anos estará ganhando R$ 7.083. É evidente que, se ela
pretende se aposentar com o último salário, terá de contribuir muito mais para
receber R$ 7.083 do que para receber R$ 5 mil. Maiores taxas de crescimento
salarial, neste caso, implicam maiores contribuições.
O segundo parâmetro
crítico que afeta essas contas é a taxa de juros. Na prática, no Brasil dos
últimos 30 anos elas foram responsáveis por parte importante da poupança
acumulada pelas pessoas na ativa. Um suíço, acostumado à estabilidade do seu
país, com juros secularmente baixos, precisa poupar muito para acumular certo
valor aos 60 anos. Já um brasileiro – noves fora um ou outro “calote” que possa
ter sofrido no meio do caminho – não precisou abrir mão do consumo da mesma
forma, pois uma contribuição menor gerava valores que iam se acumulando
rapidamente, com as taxas de juros reais enormes que tivemos. R$ 1 mil, 35
anos, depois, continuam sendo R$ 1 mil com juros nulos, mas atingem espantosos
R$ 7.686 depois de 35 anos, com juros reais de 6 % ao ano. Neste caso, então, taxas
maiores implicam uma menor necessidade de contribuição.
Ao mesmo tempo, é
claro que o cálculo do que poderíamos denominar “alíquota de equilíbrio” é
afetado por outros dois parâmetros fundamentais, que são 1) o número de anos de
contribuição, na fase de acumulação; e 2) o número de anos de realização de
saques, na etapa de retiradas.
Matemática
Financeira é algo que deveria ser matéria obrigatória no ensino médio. Ela tem
a vantagem de introduzir no indivíduo a noção de que não existe mágica. A
pessoa gostaria de ganhar mais ao se aposentar? Perfeito, vai ter de contribuir
mais ou por mais tempo, ou distribuir os saques num número menor de anos – não
ser que dê sorte e os juros sejam muito elevados, e nesse caso não precisará
poupar tanto.
Os números das
alíquotas de equilíbrio atuarial a que chegamos no trabalho fornecem algumas
pistas, por exemplo, no caso em que a pessoa contribua por 35 anos – digamos,
desde os 20 – para fazer saques durante 30. Imaginemos que a variação salarial
na vida ativa da pessoa seja nula e os juros sejam de 6%. Nesse caso, com perto
de 12% de contribuição sobre o salário, a pessoa consegue se aposentar com o
último salário. Sejamos mais realistas, porém, supondo 1% de incremento
salarial anual na carreira e um juro real de 4%. Nesse caso, a contribuição de
equilíbrio requerida passa a ser de quase 29% do salário. Durante 35 anos! No
mundo dos juros baixos, quem quiser ter uma aposentadoria elevada terá que
poupar mais.
O ESTADO DE SÃO PAULO