FOBIA FINANCEIRA


"TÚNEL DA ESCASSEZ" FAZ COM QUE AS PESSOAS NÃO VEJAM SAÍDA, DIZ PSICÓLOGA

Para Vera Rita de Mello Ferreira, doutora em psicologia social pela PUC-SP e especialista em psicologia econômica, as pessoas precisam separar o que é desejo do que é necessidade.

"A saúde financeira de uma pessoa depende da distinção que ela faz entre o que ela precisa e o que ela deseja", diz Vera. "O desejo é uma sensação de falta, de incompletude, é inconsciente e nunca vai ser plenamente satisfeito."

É neste momento que a publicidade testa o seu poder, afirma a especialista. "Vem uma propaganda e me diz: ‘Você não sabe o que deseja? 

Eu sei, essa TV de 1 trilhão de polegadas’. Eu compro, achando que vou me sentir plena. 

Mas daqui a pouco quero outra coisa", diz ela, que preside o Iarep (International Association for Research in Economic Psychology) e está à frente da consultoria Vértice Psi.

Diante do endividamento crescente da população –que atingiu o recorde em junho, com 78% das famílias endividadas, segundo pesquisa da CNC (Confederação Nacional do Comércio)–, a especialista destaca um comportamento chamado em psicologia econômica de "túnel da escassez": submetidas a situações intensas de falta de dinheiro, as pessoas pensam apenas no que não têm o no quanto sofrem por conta disso.

"O tempo inteiro elas fazem contas do que pode entrar na lista de compras e do que não pode. Ficam atormentadas e exaustas em ter que fazer o dinheiro espichar, o que demanda muito da capacidade cognitiva e emocional", diz Vera.

"Isso faz com que elas tomem decisões equivocadas sempre que sobra algum dinheiro na conta ou tem algum crédito disponível", diz ela. 

"Vão gastando mais do que ganham e acabam fugindo de encarar a realidade, deixando de consultar extratos ou fatura do cartão. Mas eu não chamo isso de fobia financeira."

A fobia é um pavor, um medo irracional, sem respaldo na realidade, que a pessoa sente em ocasiões específicas, explica a especialista, dando como exemplo a aerofobia (medo de viajar de avião) e a cinofobia (medo de cachorros).

Para ela, "fobia financeira" até existe, mas é exceção.

O próprio psicólogo britânico Brendan Burchell, professor do Departamento de Sociologia da Universidade de Cambridge, que deu origem à expressão no início dos anos 2000 a partir de estudos no Reino Unido, concorda. 

"As principais causas para o endividamento da população não estão na aversão às finanças pessoais", disse ele à Folha.

"Mas sim na pobreza, na publicidade, na cultura de consumo, na desigualdade e –principalmente– nas maneiras com as quais os bancos comercializam produtos de dívida, como cartões de crédito, que incentivam as pessoas a se endividarem."



FOLHA DE SÃO PAULO
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