O legado de Ada Pellegrini Grinover


Para os que lidam com o Direito, o falecimento da jurista Ada Pellegrini Grinover, na noite da última quinta-feira (13), representou com toda a certeza a perda de uma das maiores processualistas do País, uma conhecedora profunda da doutrina do processo civil e nessa condição provavelmente a especialista que mais contribuiu para a modernização das leis, uma das mais brilhantes procuradoras gerais em São Paulo, livre docente da USP e autora de vários livros marcantes. Já para a previdência complementar fechada, Ada teve um significado particular, o da parecerista que ajudou sobremaneira o nosso sistema a virar o jogo no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde a Súmula 321 foi afinal substituída pela 563, que em 2016 reconheceu a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) sobre as entidades fechadas.



Já na manhã de sexta-feira (14), o Presidente da Abrapp, o advogado Luis Ricardo Marcondes Martins, presidente da OABPREV-SP, se manifestava para lembrar o papel da extraordinária jurista, que para a Abrapp e o sistema, particularmente, foi fundamental para a consagração da tese da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às EFPC, por meio do parecer assinado e que deu base a todo o trabalho de convencimento que desenvolvemos nesse sentido especialmente  junto aos tribunais superiores. No mesmo dia, a OAB-SP decretou luto.



Com tantos e tão reconhecidos predicados, conhecedora como poucos do saber jurídico, a defesa que Ada Pellegrini Grinover fez da impossibilidade de o CDC ser aplicado às entidades fechadas - não objetivam lucro, não desenvolvem atividade comercial e os seus participantes não apenas são os possuidores das reservas acumuladas como estão representados nos colegiados que fazem a gestão, entre outros fortes argumentos - logo conquistou corações e mentes.



O peso do parecer dado por Ada Pellegrini Grinover é fácil de entender, considerando não apenas o respeito reverencial que lhe tinham todos no ambiente jurídico em que transitava, mas ainda mais por ter sido anos antes a coordenadora do Grupo de Trabalho da qual saiu a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 e, na sequência, o Código de Defesa do Consumidor (CDC). Uma parecerista, portanto, profundamente conhecedora, uma autoridade indiscutível, a escrever sobre um assunto que poucos conheciam melhor do que ela.



Logo após ser distribuído no dia 13 de novembro de 2006 às associadas, o parecer da grande jurista motivava dias depois uma primeira reunião, ainda na esfera administrativa, com autoridades da então Secretaria de Previdência Complementar (SPC) e da Secretaria de Direito Econômico. Nos meses e anos seguintes o que Ada dizia com absoluta clareza, objetividade, lógica, conhecimento e mesmo com paixão, era levado em sua palestra em Florianópolis no Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, em sua co-autoria em livro sobre o tema editado pela Abrapp e em visitas aos ministros do STJ.



O leitor  encontrará abaixo os depoimentos que a seu respeito deram ao DIÁRIO pessoas de nosso sistema que a conheceram de muito perto, por isso mesmo tornaram-se seus profundos admiradores e hoje lamentam a  irrecuperável perda. São eles Adacir Reis (Reis-Torres-Florêncio-Corrêa-Oliveira Advocacia e presidente do Instituto San Tiago Dantas de Direito e Economia), Aparecida Pagliarini (Pagliarini e Morales Advogados), Roberto Eiras Messina (Messina, Martins e Lencioni Advogados Associados​​​), Luiz Fernando Brum (consultor jurídico da Abrapp e Coordenador de sua Comissão Técnica Nacional de Assuntos Jurídicos) e Lygia Avena (Bocater, Camargo, Costa e Silva, Rodrigues Advogados, co-autora, juntamente com Adacir Reis e outros, de livro com Ada e na época do parecer coordenadora da CTNAJ).



Batalha vitoriosa (ADACIR REIS) - "Tive o prazer de trabalhar com a professora Ada na batalha vitoriosa pela não aplicação do CDC para as entidades fechadas de previdência complementar. A Dra. Ada tinha sido minha professora na São Francisco. Muitos anos depois, quando resolvemos organizar um  livro sobre a necessidade de revisão da Sumula 321 do STJ, a Professora Ada  atendeu prontamente ao pedido da Abrapp, o que foi uma honra para nós. No ano passado  ainda estivemos juntos na I Jornada de Mediação e Arbitragem, organizada pelo Conselho da Justiça Federal e pelo STJ. Sempre irreverente e objetiva, a professora Ada morreu fazendo o que amava, lutando pela evolução do Direito brasileiro. É uma perda muito grande para o mundo jurídico."



Mente brilhante (APARECIDA PAGLIARINI ) - “Com relação à Professora Ada, continuo considerando ser ela uma – das poucas – mentes brilhantes no campo do Direito. Direito como ciência. Temos muitas mentes iluminadas, mas penso que a iluminação vem de fora e o brilho vem de dentro. Era o caso da Professora Ada, que continuará a brilhar para nos iluminar. Quem não se lembrará dela com o pioneiro trabalho com o Código de Defesa do Consumidor?

 

Dona de uma linguagem escorreita, usava o português de maneira castiça. Pronunciava as palavras de forma que todos  que a ouvissem entendessem cada letra, cada sílaba. Ensinou como poucos. E não era brasileira. Mas amava o Brasil, amava o Direito e amava a nossa “velha e sempre nova Academia”.

 

Vai nos fazer falta. Não só aos estudantes da São Francisco, mas a todos que se orgulham de ter com ela convivido – mesmo sem ser seu aluno, como é o meu caso, apesar de franciscana – e a todos que se orgulham de amar as proposições da ciência do Direito”.



Marcas indeléveis (ROBERTO EIRAS MESSINA) - Na construção deste país, auxiliando-o na modernização e no fortalecimento de suas estruturas, sobretudo institucionais, há sem dúvida alguma lugar de destaque para a Professora Ada Pellegrini Grinover, que acaba de deixar o plano terrestre. Não foi apenas uma excelente mestra do direito, atuando com muita qualidade intelectual por seus diversos ramos, dentre eles o processual civil, o processual penal, o administrativo e o consumerista, deixando marcas indeléveis de sua personalidade, ao mesmo tempo firme e dotada de tal adequação, que inspirava respeito. A Professora Ada chegou ao Brasil após a 2ª Guerra, com mãe e irmão, para reencontrarem o pai que viera antes, preparando o terreno para a fixação da família, após juntos terem passado todas as peripécias que uma família italiana poderia ter experimentado, sobretudo tendo sido o pai, Advogado e Professor de Direito, Ministro de Finanças de Mussolini. Esta aventura, o acolhimento no Brasil, sua formação como aluna da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde atingiu o último degrau da carreira universitária, influenciando milhares de alunos pela vida acadêmica afora, escrevendo livros sobre teoria do Direito, convidada a palestrar em Universidades e eventos, no Brasil e no mundo, ao lado da carreira de Procuradora do Estado de São Paulo, até o cargo de Procuradora Geral, que a levaram à Chefia do órgão, é contada em narrativa marcada pelo talento, humor, apreensão e sobretudo sensibilidade, ingredientes presentes nas obras dos grandes escritores, na trilogia de livros biográficos que publicou: “A menina e a Guerra”, Forense Universitária, 1998; “A garota de São Paulo”, Arx, 2004 e “A Professora da USP”, Forense Universitária, 2011. Tivemos a sorte, nós do segmento fechado da previdência complementar, de contar com a força de sua pena quando, em face da então perplexidade que nos causava a Súmula 321 do Superior Tribunal de Justiça, declarando a ingerência do Código de Defesa do Consumidor nas relações entre participantes e entidades de previdência complementar, elaborou à ABRAPP parecer jurídico substancioso demonstrando claramente que a despeito de tais entidades atuarem no sistema financeiro, sua motivação e a destinação de suas ações correspondiam a um movimento de fortalecimento do grupo de participantes e assistidos ao qual serviam, donde não haver espaço para atuação outra que não em favor destes, e em grupos específicos, afastando as premissas do Código de Defesa do Consumidor, de toda forma já incorporados na defesa destes, pela sua legislação própria. A Professora Ada Pellegrini Grinover ainda teve a oportunidade de remarcar as idéias concebidas em seu parecer jurídico de 2006 em memorável palestra que proferiu no Congresso Brasileiro dos Fundos de Pensão, em Florianópolis, no ano de 2011. A importância de sua adesão à causa dos Fundos de Pensão não tardou a ser sentida, eis que no acórdão do Recurso Especial nº 1.536.786-MG, relatado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, em voto vista o Ministro Marco Buzzi lança o reconhecimento ao transcrever parte daquele parecer e concluir, lembrando “como nos adverte a festejada doutrinadora ADA PELLEGRINI GRINOVER, coautora do códex consumerista, “não há como subsistir a equiparação das entidades abertas e das fechadas porque se tratam de entidades com elementos conceituais distintos. Também não há como sustentar a existência de relação de consumo, inclusive sob pena de inviabilizar o próprio mecanismo em questão.” A Professora Ada Pellegrini Grinover, portanto, pelo conjunto de sua obra, pelo exemplo de vida lutadora por ideais, sobretudo em prol do desenvolvimento da sociedade, também lhe deve ser agradecido o sistema fechado de previdência complementar, registrando pequena homenagem iluminada por algumas lembranças, na oportunidade de seu passamento.  



Doutrinadora  (LUIZ FERNANDO BRUM) - Foi com muita tristeza que recebemos a notícia do passamento de Ada Pellegrini Grinover. Além de suas relevantes e inúmeras contribuições para o aprimoramento do direito brasileiro, ela teve, na condição de uma das principais idealizadoras do CDC, papel fundamental para o nosso sistema, especialmente como doutrinadora que atuou fortemente na construção e consolidação do entendimento de que aquele Código não se aplica na relação entre participantes e EFPCs. Fica o nosso pesar e reconhecimento ao legado deixado pela professora Ada”.



Recebida em sua casa  (LYGIA AVENA) - Lembro bem do dia em que fui à casa de Ada, levando o material que reuni em defesa de nossas teses, e fui recebida por quem sabia combinar tão bem uma enorme cultura jurídica, uma extraordinária elevação do espírito, com  simpatia e simplicidade. O mesmo pude sentir ao escrever com ela, em co-autoria juntamente com o Dr. Adacir Reis, livro exatamente sobre a inaplicabilidade do CDC aos fundos de pensão. Sinto-me muito honrada por tê-la conhecido e trabalhado junto com ela, que foi mestra em todos os sentidos e se mostrou em todos os momentos não apenas uma expoente jurídica e por isso mesmo capaz de entender tão bem a justeza do que defendíamos, mas também pessoa possuidora de admirável integridade profissional e pessoal.

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