O rombo
da Previdência Social atingiu, em 2016, o pior patamar em 22 anos: R$ 149,7
bilhões, ou 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB). Foi a primeira vez na História
em que o déficit ficou acima de R$ 100 bilhões. E a Previdência urbana, depois
de sete anos de superávits, voltou a registrar saldo negativo, de R$ 46,3
bilhões, ou 0,7% do PIB. Para economistas, o rombo na Previdência urbana
deve-se a sua estrutura, que permite aposentadorias precoces e com valores
muito altos para os padrões internacionais, inviabilizando sua sustentabilidade
ao longo do tempo. E ele só não se agravou antes porque o boom da formalização
do mercado de trabalho, entre 2009 e 2015, aumentou a arrecadação e mascarou o
problema.
— Se você
pegar desde o final dos anos 1990 até 2015, a Previdência urbana sempre
apresentou déficit, com exceção dos anos gloriosos do mercado de trabalho. Essa
trajetória já estava desenhada, e reformas necessárias para garantir a
sustentabilidade do sistema foram adiadas porque agiu-se como o bêbado embriagado,
que acha que o mundo é como ele vê naquele momento. Os antirreformistas sempre
disseram que o problema do déficit é das aposentadorias rurais e esqueceram de
observar que o problema estrutural era crescente — analisa Paulo Tafner,
economista especializado em Previdência.
Segundo
Tafner, a tendência é que, nos próximos anos, o rombo da Previdência urbana
supere o da rural — que fechou 2016 em R$ 103,4 bilhões —, pois, além de o
valor do benefício rural ser menor, hoje nove em cada dez trabalhadores que se
aposentam vivem nas grandes cidades. Na opinião do economista, mesmo se
aprovada, a reforma da Previdência não conseguirá estancar esse déficit
imediatamente:
— Se
aprovada a (reforma da) Previdência como enviada ao Congresso, primeiro o
déficit deixa de crescer e serão necessários entre cinco e oito anos para
zerá-lo. Sem reforma, a situação será ainda pior.
O
coordenador de Previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea),
Rogério Nagamine, completa:
—
Enquanto se conseguiu manter o ritmo de arrecadação alto, o crescimento da
despesa passou desapercebido. Você tem uma tendência, sem reforma da
Previdência, de que esse crescimento da despesa continue.
Especialistas
apontam ainda o fator envelhecimento da população. Para Luis Eduardo Afonso,
economista da FEA/USP, mesmo que o PIB volte a crescer e o mercado de trabalho
recupere parte da formalização perdida nos últimos dois anos, a projeção de um
crescimento maior da parcela idosa da população, se concretizada, é suficiente
para fazer com que esse déficit siga uma trajetória de alta:
— De
acordo com o IBGE, enquanto a população economicamente ativa deve crescer 0,6%
ao ano até 2050, o grupo com 65 anos ou mais crescerá num ritmo bem mais
acelerado, de 4,2% ao ano.
O déficit
geral da Previdência é resultado de R$ 358,1 bilhões em receitas e R$ 507,8
bilhões em despesas. O rombo deste ano representou um salto de 74,5% em relação
ao de 2015, de R$ 85,8 bilhões, ou 1,4% do PIB. O rombo real (já descontada a
inflação) foi de R$ 151,9 bilhões. Além disso, colaborou para o déficit R$ 43,4
bilhões em renúncias fiscais, quase um terço do total.
O
secretário da Previdência Social, Marcelo Caetano, explicou que colaboraram
para o déficit histórico fatores conjunturais, causados pela crise, e
estruturais, pois cada vez mais pessoas têm condições de se aposentar:
— Tem um
aspecto da demografia: a sociedade envelhece e gera cada vez mais benefícios,
mas também tem questões conjunturais. Se em um ano em particular você tem uma
geração de empregos menor, isso afeta (o resultado).
O
argumento do envelhecimento populacional serve de base para a reforma da
Previdência defendida pelo governo, que tramita no Congresso. A proposta de
emenda constitucional (PEC) fixa uma idade mínima de 65 anos e 25 anos de
contribuição para requisitar a aposentadoria. Além disso, estabelece que, para
receber o benefício integral, o trabalhador tenha contribuído por 49 anos. O
Ministério da Fazenda espera conseguir aprovar o projeto ainda no primeiro
semestre. Caetano disse que sua expectativa “pessoal” é que a aprovação ocorra
até setembro.
O
secretário disse ainda que, sem renúncias fiscais, como o Simples Nacional e os
benefícios para microempreendedores individuais (MEI) e entidades
filantrópicas, o rombo cairia de R$ 149,7 bilhões para R$ 106,3 bilhões.
Nagamine
defende reavaliar as renúncias. Mas ele ressaltou que eliminar incentivos que
estimulam a formalização, por exemplo, pode fazer com que os trabalhadores
voltem para a informalidade, ou seja, não haveria o esperado incremento de
receita.
O
especialista em Previdência Leonardo Rolim acrescentou que colaborou, ainda,
para a disparada do déficit, a greve do INSS em 2015. Isso porque as perícias
ficaram paradas e vários benefícios que deveriam ter sido pagos naquele ano
foram jogados para 2016. Ou seja, o rombo do ano passado acabou inflado.
A
professora da UFRJ Denise Lobato Gentil, especialista em seguridade social,
defende, no entanto, que o déficit recorde da Previdência urbana reflete a
condução da política macroeconômica, que tem contribuído para o desemprego e a
informalidade, derrubando a arrecadação:
— Toda
economia em recessão entra em déficit, e já estamos numa depressão. Esse
resultado ruim é efeito de uma política de governo recessiva, com taxas de
juros altíssimas, corte de crédito aos bancos públicos e enormes desonerações
tributárias, mesmo com receita em queda.
Ela diz
ainda que, ao tratar do déficit previdenciário, o governo desconsidera a
Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e a Contribuição para o
Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que poderiam ajudar a estancar o
déficit rural:
— São
mecanismos criados para enfrentamento de depressões econômicas como a que
vivemos, para que financiem a previdência rural.
Afonso,
no entanto, afirma que o uso desse recurso é inviável, pois a Cofins “tem por
natureza a seguridade social como um todo”. Para cobrir a aposentadoria rural,
o governo teria de tirar esses recursos de onde estão alocados hoje, o que
criaria outros problemas. Atualmente, o trabalhador rural é segurado especial.
Ele só precisa comprovar que trabalhou no campo para ter direito à
aposentadoria a partir dos 60 anos (homem) e 55 anos (mulheres). A reforma
prevê que esses trabalhadores passem a pagar uma contribuição individual e
cumpram 25 anos de contribuição, com 65 anos de idade mínima.
Outro
item que pode gerar resistência diz respeito ao agronegócio. A reforma acaba
com a isenção de 2,5% sobre as receitas decorrentes das exportações. Pelas
projeções do governo, isso pode gerar uma economia anual de R$ 6 bilhões.
O
ministro do Planejamento, Dyogo de Oliveira, disse ontem que o governo espera
que a reforma da Previdência seja aprovada o mais rapidamente possível pelo
Congresso, que retoma os trabalhos em 2 de fevereiro. Nos bastidores, a área
econômica, em especial a Fazenda, espera ver a reforma aprovada até julho nas
duas Casas, um calendário muito otimista na avaliação de governistas.
— Esperamos que a reforma seja aprovada no menor tempo
possível. Mas temos que respeitar o tempo do Congresso — disse Oliveira.
O Globo