A
Operação Lava-Jato está provocando um salto institucional no país, na avaliação
do professor do Insper Sérgio Lazzarini, autor do livro “Capitalismo de Laços”.
As prisões e condenações de empresários e políticos reduzem a força de um dos
mais nocivo defeitos do Brasil: o pacto entre partidos, governos, empresas
estatais e privadas em torno de seus interesses. A oportunidade é única, mas há
riscos à frente.
Lazzarini
estuda essa aliança de proteção mútua entre certos grupos empresariais e elites
políticas e por isso define o modelo brasileiro como um “capitalismo de laços”.
Pois exatamente esses laços é que estão sendo atacados pela Operação Lava-Jato,
na opinião dele.
Esse
pacto sempre impediu o melhor funcionamento da economia e acontece assim:
políticos indicam pessoas de confiança para cargos de chefia em empresas,
bancos e fundos de pensão estatais. Sob essa orientação política, esses gestores
usam os entes públicos para beneficiar empresas amigas. Já as companhias
privadas retribuem as benesses fazendo doações de campanha para os partidos.
— Esse
tipo de relação sempre aconteceu no Brasil. Mas, depois da crise financeira de
2008, a intervenção do Estado na economia entrou na moda e ganhou muita força
nos governos do PT. Lula multiplicou isso por cinco. Dilma escancarou e
multiplicou por cem — disse Lazzarini.
A
Lava-Jato tornou as doações mais arriscadas para as empresas. Ao mesmo tempo,
os políticos estão tendo que aceitar leis de governança mais duras, que
favorecem as indicações técnicas. As empresas, bancos e fundos de pensão
públicos estão lidando com regras de compliance — de cumprimento da lei e de
transparência — mais rigorosas, e as firmas de auditorias estão exigindo mais
qualidade e informação para a aprovação de balanços.
— O que
está acontecendo era impensável na época em que o livro foi lançado, em 2010.
Por causa da Lava-Jato, que teve início em 2014, houve abalos nesses três laços
da cadeia. Estamos passando por uma transição importante, que me lembra o que
aconteceu nos Estados Unidos no início do século XX — disse.
Lazzarini
faz críticas não apenas ao governo, mas também ao empresariado. Quando a
torneira de favorecimentos se abriu, as grandes entidades privadas exaltaram o
modelo econômico que estava sendo aprofundado pelo PT. O BNDES foi capitalizado
em R$ 500 bilhões, cerca de 8% do PIB da época, para repassar a empresas e
setores e apoiar políticas discutíveis, como a consolidação do setor de carnes
que levou o JBS a se tornar o maior frigorífico do mundo. Eike Batista
alavancou seus negócios com o crédito barato do banco. Entidades industriais
chegaram a emitir uma nota conjunta contra os que criticavam o BNDES:
— O
Estado é importante para a economia, mas é preciso clareza e transparência dos
custos das políticas públicas. O BNDES foi financiado com dívida do Tesouro e
até hoje o país não sabe quanto isso custou e quais foram os ganhos desses
financiamentos.
A
principal ameaça à Operação Lava-Jato, na avaliação de Lazzarini, é a
fragilidade econômica do país. A recuperação não será rápida, diante da
magnitude da crise, e isso pode levar novamente as empresas e os políticos a
tentarem restabelecer esses laços em nome da retomada do crescimento, e culpar
a Lava-Jato pela paralisia econômica. O risco aumentará na medida em que se
aproximarem as eleições de 2018.
— O meu
medo é a economia demorar a retomar o crescimento e aí volta todo o processo
com a eleição de um político populista que restabeleça o modelo anterior.
Sempre haverá empresários dispostos a receber favorecimento do governo —
afirmou.
A
Lava-Jato e todas as outras operações que estão investigando a obscura relação
dos últimos anos, entre políticos, governos, estatais e empresas privadas,
podem ajudar o país a enfrentar um dos seus mais antigos defeitos do
capitalismo brasileiro. Esse pacto de defesa de interesses recíprocos é
decorrente do patrimonialismo e explica a desigualdade estrutural da sociedade.
A Lava-Jato não foi feita com esse objetivo, mas tem ajudado a enfraquecer os
laços que sempre atrasaram o Brasil.
O Globo