A janela de oportunidade para a reforma
previdenciária é inédita, afirma Marcus André Melo, em artigo ontem.
Reformas da Previdência têm sido analisadas como
impossibilidades: em princípio, nunca deveriam acontecer devido aos elevados custos políticos de aprovação. No entanto,
acontecem no Brasil e fora dele.
Tais reformas são custosas porque implicam
imposição de perdas em relação a grupos concentrados e benefícios difusos. No entanto, crises
fiscais agudas —como a que aflige muitos estados brasileiros— criam janelas de
oportunidade para a mudança.
Uma forma de mitigar os altos custos políticos envolvidos
é por meio de regras de transição. Ainda assim, os problemas podem ser
consideráveis no conjunto de países que, como o Brasil, adotam sistemas de
repartição (modelo Bismarckiano; ex: França, Alemanha, Itália).
É só neste modelo que as reformas são explosivas.
Nele, os contribuintes ativos do sistema fazem aportes visando a manutenção da
renda no futuro. O sistema é política e fiscalmente instável porque cria o
imperativo de ajustes periódicos devido à elevação gradual da expectativa de
vida.
Nos países que historicamente adotaram pensões
públicas universais a valores fixos baixos (em que as pensões foram vistas só
como solução para a pobreza na velhice; ex: Inglaterra), o problema não é
explosivo.
E isso independe de o segundo pilar, o de
capitalização, que suplementa a pensão básica, ser compulsório (quando o
empregador arca com parte dos custos; ex: Holanda) ou voluntário (Japão, EUA).
Pontos distintos na montagem do sistema no passado explicam a política no
futuro.
No Brasil, foram criados institutos de aposentadoria
de base ocupacional (para comerciários, industriários etc.). A agenda política
em torno da Previdência girou inicialmente em torno da unificação dos vários
regimes e da incorporação de trabalhadores informais e rurais ao sistema.
A unificação dos institutos (Iapi, Iapc, Ipase
etc.) e a criação do INPS (hoje INSS) ocorreram em 1966, e a aposentadoria
rural veio em 1971. A permanência do regime de servidores ao lado do
geral ficou como um resíduo da unificação incompleta de 1966.
A atual reforma da Previdência combina revisões
paramétricas no modelo existente (completando a agenda inacabada da década de
1990) e mudanças estruturais no próprio modelo histórico.
Estamos no “grupo da morte” de países onde reformas
são politicamente difíceis, e a maturidade do nosso sistema joga contra, porque
os custos de transição tornaram-se muito elevados. Mas a crise dos estados, o
relativo consenso entre as elites burocráticas e políticas em torno da reforma
e a centralidade do tema na agenda de Bolsonaro abrem uma janela de
oportunidade inédita
FOLHA DE SÃO PAULO