Empresa paga para identificar
sua íris
Projeto do criador do ChatGPT quer uma identidade única para cada pessoa
no planeta.
O criador do ChatGPT não perde tempo.
Na semana passada, Sam
Altman inaugurou oficialmente o projeto Worldcoin. A proposta é tão simples
quanto ambiciosa: criar uma identidade digital única para cada pessoa no
planeta.
Para isso, a empresa vai pagar cerca de US$ 20 para cada pessoa que
voluntariamente se identificar no seu sistema.
A identificação acontece através de um aparelho pitoresco
chamado The Orb. Trata-se de uma esfera prateada com uma câmera e sensores de
leitura ocular, que parece saída de um episódio de "Black Mirror".
A
pessoa aproxima a esfera do rosto e ela então escaneia os seus olhos, obtendo
uma imagem da sua íris.
Tudo isso ligado a um aplicativo no celular, que passa
a guardar as chaves criptográficas que podem ser usadas a partir daí como uma
identidade digital.
Através do aplicativo, que funciona também como uma carteira de
criptomoedas, o identificado também poderá receber seus US$ 20 na forma de
moedas virtuais.
No Japão, houve relatos de filas de pessoas buscando se
inscrever logo no primeiro dia (a empresa alega que já possui mais de 2 milhões
de identificados). Já em outros países o interesse foi pequeno, com lugares
vazios.
São Paulo, por exemplo, tem quatro lugares listados onde é
possível se inscrever através de um Orb, a maior parte em regiões próximas à
Faria Lima.
Todos tinham os horários de agendamento totalmente livres nos
próximos dias e semanas. Até agora nada de filas (ou de interesse) no Brasil.
Aliás, vale dizer que os operadores dos Orbs recebem cerca de
US$ 3 por pessoa que inscreverem.
Ao criar o Worldcoin, Sam Altman e seu sócio de 29 anos, Alex
Blania, tentam dar um salto carpado triplo. Primeiro, apostam que o crescimento
da inteligência artificial levará à necessidade de pagar algum tipo de renda
básica para as pessoas que perderem seus empregos.
Mas como e para quem pagar?
O Worldcoin se propõe a ser o canal, certificando a identidade de quem vai
receber e ao mesmo tempo criando uma criptomoeda e um aplicativo através dos
quais o pagamento pode ser feito.
A terceira parte do salto é que o Worldcoin aposta em resolver
um dos problemas mais difíceis do mundo contemporâneo: a criação de uma
identidade digital.
A maioria dos países falhou em criar uma identidade digital
verdadeira. Dentre as exceções há a Estônia e a Índia. A empresa de Sam Altman
quer entrar exatamente nesse vácuo. Como a maior parte dos governos tem sido
incapaz de fazer, ele fará por eles.
As acusações contra o projeto são inúmeras: neocolonialismo,
ameaça à privacidade, centralização.
Ou ainda, simples mutreta para lançar uma
nova criptomoeda com verniz humanitário, mas com potencial de ser apenas
especulativa para engordar o bolso dos seus criadores e gestores.
Vale dizer também que há outros projetos de criação de
identidade digital global que prometem pagar a seus usuários, como o Proof of
Humanity, criado pelo chileno Santiago Siri.
Apesar de tudo, o projeto de Altman lança um desafio crucial. Se
o Brasil e outros países em desenvolvimento não resolverem eles mesmos suas
identidades digitais, estarão vulneráveis a que outros resolvam.
Se também não
se prepararem para as consequências da inteligência artificial, estarão também
saltando carpado, no abismo.
RONALDO LEMOS - advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do
Rio de Janeiro.