Como resolver a crise das plataformas?
O
problema agora não é o excesso de inovação, mas justamente a falta dela.
O problema da gestão de conteúdo nas plataformas digitais tem
mais nuances do que se imagina. Uma das razões para a crise atual —simbolizada
pelo banimento do perfil de Donald Trump — não é o excesso de inovação, mas
justamente a falta dela.
As empresas de tecnologia estagnaram quanto
a sua capacidade de reinventar suas plataformas.
A última grande inovação ocorreu há mais de 10 anos
e tem duas dimensões.
O uso de algoritmos para decidir qual conteúdo deve ser
mostrado —simbolizado pela invenção do “newsfeed” personalizado.
E o
monitoramento constante de dados dos indivíduos, mapeando como ele responde a
cada estímulo, o que permite “personalizar” o que vai ser mostrado a seguir.
Depois dessa grande mudança, outras inovações foram
apenas incrementais, como a substituição de algoritmos mais simples por inteligência artificial.
No entanto, os
fundamentos de como os conteúdos são organizados e mostrados continuam os
mesmos, especialmente porque as plataformas ficaram confortáveis com o sucesso
econômico que esse modelo trouxe.
Antes do uso de algoritmos, os conteúdos eram
organizados pelos próprios indivíduos e comunidades.
O símbolo desse momento
tecnológico dos anos 2000 era o protocolo RSS (Really Simple Syndication), por
meio do qual os próprios usuários “assinavam” o que queriam acompanhar.
No entanto, com o avanço do extremismo impulsionado
por algoritmos —além de outras disfuncionalidades — precisamos perguntar: o que
fazer?
Um dos caminhos é inovar mais. Retomar a inovação
para reconstruir o peso dos indivíduos e das comunidades na seleção dos
conteúdos nas plataformas.
Não de forma simplória como no antigo RSS, mas
usando o arsenal de tecnologias atuais para criar mecanismos de decisão
coletiva e participação responsável.
Vou listar algumas possibilidades:
- adotar
modelos de tomada de decisão coletiva de última geração, como o chamado
“voto quadrático”, substituindo a decisão automatizada dos algoritmos por
participação organizada de indivíduos e comunidades;
- resolver
o problema da identidade na internet, permitindo definir cada indivíduo
online por meio de modelos que protegem a privacidade (como as identidades
autossoberanas), eliminando assim o peso irresponsável de robôs e perfis
falsos;
- privilegiar
as decisões conscientes de cada indivíduo, e não suas reações
inconscientes, aferidas por meio de análise de dados, para organizar
conteúdo. Continuar a privilegiar reações subconscientes aferidas por meio
de análise de dados, como ocorre hoje, é receita para o caos;
- implementar
modelos de resolução de disputa baseados em constituintes interessados
(“stakeholders”), usando para isso blockchain, a exemplo de plataformas
como o Kleros.io.
- Esses são apenas alguns exemplos de inovações possíveis que
as plataformas poderiam reiniciar. Se a web surgiu com pessoas e
comunidades e depois sofreu uma gigantesca virada algorítmica, é hora de
usar a tecnologia para reequilibrar a balança: usar todo o arsenal de
tecnologias de participação existentes para trazer de volta o peso dos
indivíduos e das comunidades.
- Em outras palavras, trazer
de volta a “wisdom of the crowds” (sabedoria das multidões). Porque a
sabedoria dos algoritmos não deu certo.
Ronaldo Lemos - advogado, diretor do
Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro.
Fonte: coluna jornal FSP