2018 começou mal do ponto de vista da segurança da
informação. Repercutiu nos últimos dias a constatação de que há duas falhas de desenho nos principais processadores
utilizados por computadores, celulares e outros dispositivos.
Essa falha é capaz de expor informações sensíveis,
incluindo senhas, certificados e outros dados confidenciais.
As falhas foram batizadas de Meltdown e Spectre. A
primeira, mais fácil de ser explorada por hackers, afeta praticamente todos os
processadores da Intel. Por exemplo, torna vulneráveis serviços de
armazenamento de dados na nuvem, permitindo a um hacker "roubar"
dados dos clientes desses serviços.
A boa notícia é que já estão disponíveis atualizações de
software capazes de mitigar os efeitos da falha. Só que com um grande problema:
essa atualização pode levar a perdas de até 30% na velocidade do processador. É
como se voltássemos no tempo sete anos em capacidade de processamento, no
melhor estilo do livro "Ubik", do escritor Philip K. Dick.
Já o Spectre está presente em basicamente todo e
qualquer tipo de microprocessador, incluindo marcas como AMD, ARM e também
Intel. A má notícia é que essa falha não pode ser corrigida. Ela traz consigo a
necessidade de reformulação completa da arquitetura dos chips utilizados hoje.
Ou seja, o problema estará conosco por todo o ciclo de
renovação do hardware que utilizamos, o que pode levar uma década ou mais.
Essas falhas surgiram em razão de um dilema que afeta o
desenho de qualquer hardware. O que deve ser privilegiado, segurança ou
velocidade? Ao longo dos últimos anos, as empresas que fabricam processadores
decidiram priorizar velocidade, deixando de abordar questões essenciais sobre
segurança.
Estamos agora começando a pagar o preço dessas escolhas.
Vale mencionar que as falhas foram descobertas por uma
equipe que pode ser chamada de "multissetorial", isto é, composta por
vários setores da sociedade, em especial o setor privado, academia e terceiro
setor.
Entre os que primeiro reportaram as falhas estão Jann
Horn, programador da área de segurança do Google, pesquisadores de
universidades como a de Graz, na Áustria, Pensilvânia, Maryland e Adelaide,
entre outros. Ou ainda membros do interessante grupo híbrido australiano
Data61.
Chama a atenção nessa lista a ausência de atores
estatais típicos. Segurança da informação é obrigação do Estado. No entanto, o
Estado sozinho pode fazer pouco para descobrir, prevenir ou remediar falhas com
essas.
Para que qualquer iniciativa de cibersegurança tenha
efetividade, ela precisa ser multissetorial, promovendo a cooperação com vários
setores da sociedade.
Quanto mais isolado e autocrático o Estado se mantiver
nessa área, mais impotente será contra ameaças digitais. É o caso do Brasil.
Estamos privilegiando modelos institucionais de
concentração e isolamento em políticas digitais, em detrimento do
multissetorialismo. No futuro, também vamos pagar o preço dessas escolhas.
Ronaldo
Lemos -
advogado, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro
(ITSrio.org). Mestre em direito por Harvard. Pesquisador e representante do MIT
Media Lab no Brasil.