Diante da grave crise e do aumento recorde de
custos, planos de saúde e hospitais estão testando um novo modelo de
remuneração que levará em conta a qualidade da assistência prestada, e não
mais a quantidade de procedimentos realizados.
Hoje, vigora o “fee for service” (pagamento por
serviços). Quanto mais insumos um
hospital utiliza, mais o plano paga. Isso estimula o desperdício e o aumento de
custos para os planos e, no final, para os usuários. A Abramge
(Associação Brasileira de Planos de Saúde) diz estar preparada para iniciar
a implantação do novo modelo até o fim de 2017. A entidade, junto à
Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), realiza projeto
piloto que deve estar pronto em março.
Hospital Albert Einstein, em SP, que
já vem testando um novo modelo de avaliação
O modelo proposto pelos planos é o DRG (Grupos de
Diagnósticos Relacionados, numa tradução livre), um sistema que vigora em
20 países, entre eles Estados Unidos, Austrália e África do Sul.
Ele reúne grupos de pacientes com as mesmas doenças
e características e estabelece um valor fixo a ser pago pelo tratamento. Por
exemplo: tratar um homem de 40 anos com pneumonia, sem outros problemas de
saúde, seria mais barato do que tratar um idoso de 80 anos, cardiopata e
que toma dez remédios/dia.
Também existem compensações financeiras para hospitais com melhores indicadores
de qualidade, como menores taxas de infecção hospitalar, de mortalidade e de
eventos adversos.
Segundo Bruno Maciel, diretor da consultoria PwC, responsável pelo projeto
piloto,
situações em que o desfecho clínico não é tão previsível –como um bebê
prematuro
internado na UTI neonatal–, continuarão remuneradas com base no “fee for
service”.
Ele diz que nos países que usam o DRG, de 20% a 30%
das contas são pagas por serviços. “São modelos híbridos, mas o DRG prevalece.”
ENTENDA A MUDANÇA NA SAÚDE
COMO É HOJE: Prevalece o sistema de pagamento por
serviço, em que o hospital recebe pelos procedimentos e itens usados
PROBLEMAS: A qualidade não é considerada, e há
desperdício e aumento de custo
para o plano, que repassa a conta ao usuário
VANTAGENS: Para situações clínicas mais
imprevisíveis, o pagamento por serviço segue sendo a melhor alternativa
O NOVO MODELO: Classifica grupos de pacientes com
as mesmas doenças e características e estabelece um valor fixo a cada
tratamento
PROBLEMAS: Pode incentivar que hospitais usem
produtos piores para obter lucro e
gerar recusa de pacientes mais complexos
VANTAGENS: Contém os custos médicos, melhora a
eficiência, diminui os tratamentos excessivos e aumenta a transparência
INSUSTENTÁVEL
Pedro Ramos, diretor da Abramge, diz que o atual
“fee for service” é insustentável. “A galinha dos ovos de ouro está morrendo.
Nós pagamos 97% das contas hospitalares e não vamos abrir mão dessa mudança.
Mas tem de haver honestidade de todos [planos, hospitais e fornecedores].” Com
a crise, os planos de saúde perderam quase 2 milhões de usuários e enfrentam
aumento recorde de custos, puxados pelo avanço das despesas
médico-hospitalares.
Para Luiz Carneiro, superintendente do IESS
(Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), além da redução de custos, o DRG
dará mais transparência à qualidade da assistência de um hospital. “Hoje não
sabemos, por exemplo, qual a taxa de infecção hospitalar e de reinternação.”
O Hospital Israelita Albert Einstein testa o DRG há
um ano como ferramenta de avaliação do consumo de recursos de acordo com a
complexidade dos casos clínicos. Segundo Sidney Klajner, recém-eleito
presidente do Einstein, o modelo tem permitido comparar a prática médica
assistencial e a eficiência de um tratamento.
“Com ele, os hospitais terão que assumir a
responsabilidade por complicações evitáveis que o paciente possa ter por falta
de um processo de segurança interno.” Francisco Balestrin, presidente da Anahp
(Associação Nacional dos Hospitais Privados), diz ser preciso mudar a forma de
remuneração, que o atual modelo gera desperdícios, mas tem ressalvas sobre o
DRG. “Ele implica mudar todo o sistema de informação de um hospital. Isso não é
barato e leva tempo.”
PEÇA-CHAVE
A mudança no modelo de remuneração é considerada a peça-chave para uma nova
forma de assistência que está em curso em vários países do mundo, chamada de
cuidados de saúde baseados em valor (VBHC, em inglês). Na semana passada, a
consultoria The Economist Intelligence Unit divulgou em Miami um estudo
patrocinado pela Medtronic em que avaliou a situação dos sistemas de saúde de
25
países –na América Latina, Brasil, Chile, Colômbia e México. Segundo David
Humphreys, diretor da consultoria, os países latino-americanos têm baixo
alinhamento com esses novos princípios –apenas a Colômbia teve classificação
moderada. “Existem boas iniciativas, como a implantação dos registros
eletrônicos no Brasil, mas ainda há muito o que avançar.” O estudo analisou 17
indicadores, como cuidados integrados e concentrados no paciente e medição de
resultados e despesas.
Para a médica Ana Maria Malik, coordenadora da FGV
saúde, o Brasil precisa avançar na melhoria e transparência das informações.
“Mas a questão é que sistemas de informação mostram coisas que não gostamos de
ver. Por isso, há tanta resistência.” A avaliação geral é que as atuais
abordagens não são eficientes nem sustentáveis. Os sistemas ainda recompensam o
volume de atendimentos, não o valor do cuidado. Em geral, são fragmentados,
desconectados e caros. Pacientes crônicos, por exemplo, podem ter o mesmo exame
pedido várias vezes pelos diversos especialistas que estão consultando, o que
gera enorme desperdício.
Para enfrentar esses desafios, países como os EUA
criaram novas métricas e já recompensam a qualidade, não o volume dos serviços.
Hugo Villegas, presidente da Medtronic na América Latina, diz que a empresa tem
feito várias parcerias com sistemas de saúde que permitam ampliar o acesso a
produtos e serviços de alta qualidade com uma boa relação de custo e benefício.
Na Holanda, por exemplo, participa de uma iniciativa que busca melhorar os
cuidados à saúde de 1.800 pacientes com diabetes tipo 1. “Conseguimos baixar a
hipoglicemia em 82%, o reingresso nos hospitais em 51% e os custo desses
pacientes em 9%.” Segundo Villegas, a empresa só é remunerada se consegue
demonstrar os bons resultados clínicos.
No Brasil, a Medtronic participa de um projeto
piloto com médicos, seguradoras e hospitais privados em que vai avaliar o
tratamento de um grupo de pacientes cardíacos e definir o desfecho clínico
esperado após 18 meses. “Eles serão tratados e continuarão sendo acompanhados
após a alta. Se não tiverem complicações e o tratamento se mostrar efetivo, aí
a equipe será remunerada.” Mas é factível para empresa esperar 18 meses para
ser remunerada? “É uma grande mudança, difícil, mas é factível. Estamos
convencidos de que temos que mudar o modelo de negócios. A sustentabilidade do
setor também será a nossa como empresa.”
Fonte: Assistants Consultoria Atuarial